Os
Direitos Humanos e a Cidadania em Debate
Na segunda
quinzena de janeiro, a atividade promovida, mensalmente, pela BECRE,
"Leituras de Porta em Porta", deu a conhecer o livro “A Mala de
Hana”, no âmbito do Dia em Memória das Vítimas do Holocausto - 27 de janeiro.
"A Mala de
Hana" é a história da reconstituição de um passado trágico - o do
Holocausto em geral e o de um destino individual, o de Hana, uma rapariga checa
arrebatada à vida pelo turbilhão nazi. O livro, escrito por Karen Levine,
canadiana, baseia-se numa emissão radiofónica e é um magnífico exemplo de literatura
juvenil.
Entre os
prémios que lhe foram concedidos, contam-se: Livro Infantil do Ano (atribuído
pela Associação Canadiana de Bibliotecários), Prémio da Associação de
Bibliotecários do Ontário, Melhor Livro Infantil (concedido pela Associação das
Bibliotecas Judaicas) e Prémio do Livro Judeu Canadiano.
Aqui deixamos o excerto
desta obra que alguns professores leram na sala de aula.
“Nove Mesto
(Checoslováquia), 1938”
“Uma vez que os
pais trabalhavam seis dias por semana, as manhãs de domingo eram especiais para
a família. Quando acordavam, George e Hana aninhavam-se na cama dos pais
debaixo do fofo edredão de penas. Nas tardes de domingo, no Verão, metiam-se
todos no carro e dirigiam-se aos parques mais próximos para fazer um
piquenique, às vezes com o tio Ludvik e a tia Hedda, que também viviam em Nove
Mesto. No Inverno, havia passeios de trenó e longas aventuras de esqui através
dos campos. Hana era uma ótima esquiadora. Na corrida de oito quilómetros entre
Nove Mesto e a cidade mais próxima (que tinha um maravilhoso salão de chá com
bolos de creme deliciosos), Hana liderava sempre o grande grupo de primos,
apesar de ser a mais jovem.
Mas na véspera
do Ano Novo de 1938 pairava uma atmosfera ameaçadora. Falava-se de guerra.
Adolf Hitler e os seus nazis estavam no poder na Alemanha. No início desse ano,
Hitler havia ocupado a Áustria. Em seguida, os seus exércitos tinham marchado
sobre algumas zonas da Checoslováquia. Começaram a aparecer refugiados –
pessoas que tentavam fugir aos nazis – à porta dos Brady a pedir dinheiro,
comida e abrigo. Encontravam sempre uma calorosa receção por parte da mãe e do
pai. Mas as crianças estavam confusas. Quem são estas pessoas? interrogava-se Hana.
Porque é que vêm para cá? Porque é que não ficam nas suas próprias casas?
Ao serão, depois
de Hana e George terem sido mandados para a cama, a mãe e o pai sentavam-se
junto ao rádio para ouvir as notícias. Muitas vezes apareciam amigos que vinham
fazer-lhes companhia, e ficavam a conversar até tarde acerca das notícias que
tinham ouvido. – Vamos falar baixo – diziam -, para não acordar as crianças.
(…) As crianças ouviram as conversas sobre as leis antijudaicas na Áustria.
Ouviram falar da Kristallnacht na
Alemanha, em que bandos de nazis percorreram os bairros judeus, partiram
janelas de casas e montras de lojas, queimaram sinagogas e espancaram pessoas
na rua.(…)
Uma noite, o
vizinho, Sr. Rott, apresentou uma ideia chocante aos adultos. – Todos
pressentimos que vem aí uma guerra – começou ele -. – Não é seguro para nós,
judeus, ficarmos aqui. Devíamos sair de Nove Mesto, sair da Checoslováquia, e
ir para a América, para a Palestina, para o Canadá. Para qualquer lugar. Partir
agora antes que seja tarde de mais.
O resto do grupo
ficou surpreendido. – Perdeu o juízo, Sr. Rott? – perguntou um deles. – Esta é
a nossa terra. É aqui que devemos ficar. – E o assunto ficou encerrado.(…)
“Nove Mesto,
1939”
No dia 15 de
março de 1939, as tropas nazis de Hitler ocuparam o resto da Checoslováquia, e
a vida da família Brady mudou para sempre. Os nazis declararam que os judeus
eram maus, má influência, perigosos. A partir de agora, a família Brady e os
outros judeus de Nove Mesto teriam de reger-se por regras diferentes.
Os judeus só podiam
sair de casa a determinadas horas do dia. Só podiam fazer compras em
determinadas lojas e apenas a determinadas horas. Os judeus não estavam
autorizados a viajar, por isso não haveria mais visitas aos bem-amados tios,
tias e avós nas cidades vizinhas. Os Brady foram obrigados a declarar aos nazis
todos os seus bens – obras de arte, joias, talheres, registos bancários.
Apressaram-se a esconder os papéis mais preciosos debaixo do soalho do sótão. A
coleção de selos do pai e as pratas da mãe ficaram escondidas com amigos não
religiosos, não judeus. Mas o rádio da família teve de ser levado para um
escritório central e foi entregue a um agente nazi.
Um dia Hana e
George estavam na fila do cinema para comprar bilhetes para A Branca de Neve e os Sete Anões. Quando
chegaram à bilheteira, viram uma placa que dizia “Proibida a Entrada a Judeus”.
Com os rostos vermelhos, e os olhos a faiscar, viraram as costas e foram para
casa. Quando Hana entrou em casa, estava furiosa e muito perturbada. – O que é
que nos está a acontecer? Porque é que não posso ir ao cinema? (…)
Parecia que
todas as semanas surgia uma nova restrição. Proibida a entrada a judeus no
parque infantil. Proibida a entrada a judeus nos campos de jogos. Proibida a
entrada a judeus nos parques. Passado pouco tempo, Hana deixou de poder ir à
ginástica. Até mesmo o lago de patinagem estava fora do seu alcance. Os amigos
de Hana – todos eles não-judeus – no início ficaram tão confusos com as regras
como Hana. Sentavam-se juntos na escola como sempre haviam feito, e continuavam
a divertir-se a fazer partidas nas salas de aula e nos jardins das suas casas.
– Ficaremos juntos para sempre, aconteça o que acontecer! – prometeu Maria, a
melhor amiga de Hana. – Não vamos permitir que ninguém nos diga com quem
podemos brincar!
Mas,
gradualmente, à medida que os meses foram passando, todos os colegas de Hana,
até mesmo Maria, deixaram de aparecer lá em casa, depois da escola e aos fins
de semana. Os pais de Maria tinham-lhe dado ordem para se manter afastada de
Hana. Tinham medo que os nazis castigassem toda a família por autorizar Maria a
ser amiga de uma criança judia. Hana sentia-se terrivelmente sozinha.
A cada perda de
amizade e a cada nova restrição, Hana e George sentiam que o seu mundo havia
ficado mais pequeno. Sentiam-se revoltados. Sentiam-se tristes e estavam frustrados.
– O que podemos fazer? – perguntaram aos pais. – Para onde podemos ir? (…)
Era difícil
compreender tudo o que se estava a passar. Especialmente agora, que o rádio da
família tinha desaparecido. O pai e mãe tinham o hábito de ouvir sempre as
notícias das oito horas, de Londres, Inglaterra, para se manterem a par das
últimas perfídias de Hitler. Mas os judeus tinham ordem para estar em casa às
oito horas. Ouvir rádio era completamente proibido, e o castigo para quem
quebrasse qualquer lei era muito severo. Todos tinham medo de ser presos. (…)”
Levine,
Karen, “Nove Mesto, 1938” in A Mala de
Hana – uma história verdadeira. Trad. de Catarina Ferrer. Lisboa: Terramar,
2005.
Sem comentários:
Enviar um comentário