Acabei
de ler “O Rapaz Escondido” da Nova Iorquina Catherine Marsh.
“O
Rapaz Escondido” é um livro sobre o nascimento de uma grande amizade entre dois
rapazes cuja vida, a dada altura e por razões diversas, muda radicalmente.
Ahmed é um refugiado Sírio que, após perder a mãe e as irmãs vítimas da guerra
da Síria, se vê obrigado, juntamente com o último elemento da família que lhe
resta – o pai - a deixar o seu país e a rumar à Europa na esperança de
encontrar um futuro, à semelhança de tantos outros Ahmeds deste mundo. Durante
essa viagem, Ahmed “perde” o pai, num acidente no barco que os transportava, e,
por fim, depois de algumas peripécias, acaba por chegar a Bruxelas.
Max é um rapaz
Americano, também ele um jovem desenraizado, que está a tentar adaptar-se a uma
nova realidade e a um novo modo de vida em Bruxelas.
As suas vidas vão
cruzar-se e, curiosamente, será Max que irá ajudar Ahmed a “integrar-se” na
sociedade Belga, nomeadamente através desse microcosmos que é a escola.
No entanto, tudo se
complica quando acontecem os atentados na Bélgica. Os dois amigos serão
obrigados a tomar uma decisão que implicará uma mudança radical nas suas
vidas...
Quando tudo voltar à
normalidade, procura este livro na biblioteca e verás que não vais conseguir
parar de ler.
Aqui fica, também, para
que percebas um pouco melhor o contexto em que esta história surgiu, a
transcrição de uma entrevista dada pela autora deste livro.
“Uma conversa com
Catherine Marsh”
Catherine Marsh |
1.
“O
Rapaz Escondido” conta a história de dois rapazes, o Ahmed e o Max, que se
encontram ambos bem longe de casa. Onde foi buscar inspiração para este livro?
Em
julho de 2015, mudei-me de Washington, D.C., para Bruxelas, na Bélgica, para
que o meu marido, que é jornalista, pudesse escrever sobre a segurança
europeia. Arrendámos uma bonita casa com um jardim murado – adivinhou! – na Avenue
Albert Jonnart. Uma placa no final do quarteirão resumia a história de vida de
Jonnart: como ele escondera um rapaz judeu na sua casa durante a ocupação alemã
durante a Segunda Guerra Mundial e de que forma esse ato de resistência lhe
custou a vida. Pensei na história de Jonnart quando descobri uma adega de vinho
na cave da nossa casa. Parecia-me o local perfeito para esconder alguém.
2.
De
que maneira a sua experiência como americana no estrangeiro influenciou a sua
perspetiva enquanto escrevia este livro?
A
história deste livro passa-se na nossa rua e na nossa casa, assim como numa
versão ficcional da escola dos meus filhos. Quando começou o ano escolar, os
meus filhos só sabiam umas quantas palavras de francês e eram os únicos
falantes de inglês da turma. À semelhança do Max, o meu filho teve de se
debater com uma caneta de tinta permanente e com o dictée semanal. Eu, por outro lado, tinha de decifrar confusas
notas da escola e instruções da commune
recorrendo ao francês já enferrujado que aprendera na escola. Fazer o dia a dia
como estrangeira era esgotante e stressante, mesmo para uma família bastante
favorecida, como era o caso da minha. Isso permitiu-me desenvolver uma enorme
compaixão não apenas pelos meus três avós imigrantes, mas também pelos milhões
de refugiados que chegaram à Europa nesse ano, e com muito menos do que eu.
3.
De
que maneira viveu a crise dos refugiados na Bélgica e de que maneira isso
moldou o livro?
Em
Bruxelas, o símbolo mais visível da crise dos refugiados era o Parc Maximilien.
Tal como muitas outras pessoas, senti-me bastante envergonhada ao ver homens,
mulheres e crianças a dormirem em tendas no centro da cidade. Os refugiados
mais vulneráveis eram, sem dúvida alguma, os menores desacompanhados: crianças
com menos de 18 anos – na maioria rapazes – como o Ahmed. Muitas dessas
crianças chegavam traumatizadas pela guerra ou pela violência e tinham perdido
anos de educação escolar. Das 2650 pessoas que pediram asilo na Bélgica em
2015, 15% tinham menos de 14 anos.
Mas
havia também uma história inspiradora no meio de tudo aquilo: o Parc Maximilien
era totalmente gerido por voluntários – incluindo vários dos meus vizinhos e
amigos, qua ajudavam com altruísmo e sem preconceito. O espírto de Albert
Jonnart continuava muito vivo, mas, à medida que a ideia para este livro
começava a solidificar, dei-me conta de que se encontrava também em perigo. Nem
toda a gente na Europa, ou até nos Estados Unidos, estava satisfeita com o afluxo
maioritário de refugiados muçulmanos. Essa preocupação aumentou com os ataques
terroristas perpetrados pelo Estado Islâmico em Paris, em Bruxelas, em Nice e
noutras cidades.
4.
O
que a levou a abordar estes acontecimentos atuais no livro?
Senti
que era importante descrever o medo que as pessoas estavam a sentir. Durante o
ataque a Bruxelas, eu corri para a escola dos meus filhos, tal como a mãe do
Max, e levei-os para casa. Nas semanas que se seguiram, pensei bastante sobre o
medo de que alguma coisa me pudesse acontecer ou aos meus entes queridos, e de
como era fácil deixar que esse medo distorcesse perceções e factos. Decidi
colocar esta contenda no livro e tentei fazê-lo de uma forma honesta – não apenas
através dos exemplos de personagens como a Madame Pauline, que se recusa a
encarar o seu medo, mas também de outras personagens como o Max, que o
enfrenta.
5.
É
evidente que tinha bastante experiência pessoal à qual recorrer para construir
o Max. Mas como foi que elaborou a história do Ahmed?
Ao
imaginar a vida do Ahmed, tive a enorme ajuda de várias famílias e indivíduos
oriundos da Síria, principalmente de Aleppo, que partilharam generosamente as
suas memórias e responderam às minhas intermináveis perguntas. Também tenho a
sorte de viver numa era de excelente jornalismo e recorri aos pormenores de
várias notícias, blogues e relatórios de agências não-governamentais.
Entrevistei jornalistas, voluntários, defensores dos refugiados, membros da
comunidade islâmica de Bruxelas e um menor desacompanhado. Todas as
experiências são únicas, mas tentei capturar aquilo que me pareceu uma verdade
emocional mais ampla.
6.
À
medida que o Max vai sabendo mais sobre a história de Albert Jonnart e de Ralph
Mayer, reconhece algumas semelhanças entre a forma como os judeus foram
tratados durante a Segunda Guerra Mundial e o tratamento dado aos atuais
refugiados sírios.
O que espera que os leitores
retirem deste livro?
Uma
das experiências que mais estimo enquanto trabalhava neste livro foi a de
conhecer Bénédicte Jonnart, a neta de Albert Jonnart. Aqui há uns anos, a
Bénédicte ouviu falar dos Justos Entre as Nações, uma designação especial
atribuída pelo Estado de Israel a todos os não-judeus que arriscaram as suas
vidas para ajudarem judeus durante o Holocausto. Ela pensou de imediato no avô.
Para que ele se pudesse habilitar ao título, a Bénédicte tinha de fornecer
provas e, com isso em mente, tornou-se a historiadora não oficial da família –
reunindo cartas trocadas entre Albert e a esposa, Simone Deploige, realizando
entrevistas com membros da família e até localizando um processo legal
confidencial intentado contra o vizinho que traiu Jonnart, que incluía os
testemunhos em primeira mão do Ralph. Em 2013, em resultado dos seus esforços,
tanto o Albert como a Simone foram considerados Justos Entre as Nações e os
seus nomes figuram no muro do Jardim dos Justos, em Jerusalém.
É
impossível incluir todos os magníficos pormenores da história que Bénédicte
partilhou comigo. Mas todos os pormenores incluídos neste livro – incluindo a
fuga de Ralph pelos telhados – são verdadeiros. Colette Dubuisson-Breuer, a
filha de Jacques Breuer, o arqueólogo que escondeu Ralph depois de Albert
Jonnart ter sido preso, também partilhou a sua história comigo, assim como as
recordações que guardava do Ralph, que permaneceu em contacto com as famílias
Jonnart e Breuer.
Devo ainda acrescentar que o Pierre, o pai da Bénédicte e
colega de escola do Ralph, saiu de casa após a prisão do pai e juntou-se à
resistência. Faleceu no dia 1 de março de 2018, com 93 anos. A Bénédicte teve o
cuidado de não mencionar o nome do vizinho que traiu a família e, embora eu o
tenha visto nos documentos legais, segui o exemplo dela e decidi não o revelar.
A história de Albert Jonnart não é sobre traição e raiva. Pelo contrário, é
precisamente sobre aquilo que eu espero que os meus leitores venham a reter
depois de lerem o livro: a extraordinária importância de fazer o que está certo
e de ser gentil, principalmente com aqueles que não são da nossa família ou da
nossa tribo, aqueles que consideramos os “outros”.
Katherine Marsh
Abril de 2018
Bruxelas,
Bélgica
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