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segunda-feira, 13 de abril de 2020

Agora leio eu, a seguir lês tu… "O Rapaz Escondido"



 Acabei de ler “O Rapaz Escondido” da Nova Iorquina Catherine Marsh.
“O Rapaz Escondido” é um livro sobre o nascimento de uma grande amizade entre dois rapazes cuja vida, a dada altura e por razões diversas, muda radicalmente. Ahmed é um refugiado Sírio que, após perder a mãe e as irmãs vítimas da guerra da Síria, se vê obrigado, juntamente com o último elemento da família que lhe resta – o pai - a deixar o seu país e a rumar à Europa na esperança de encontrar um futuro, à semelhança de tantos outros Ahmeds deste mundo. Durante essa viagem, Ahmed “perde” o pai, num acidente no barco que os transportava, e, por fim, depois de algumas peripécias, acaba por chegar a Bruxelas.
Max é um rapaz Americano, também ele um jovem desenraizado, que está a tentar adaptar-se a uma nova realidade e a um novo modo de vida em Bruxelas.
As suas vidas vão cruzar-se e, curiosamente, será Max que irá ajudar Ahmed a “integrar-se” na sociedade Belga, nomeadamente através desse microcosmos que é a escola.
No entanto, tudo se complica quando acontecem os atentados na Bélgica. Os dois amigos serão obrigados a tomar uma decisão que implicará uma mudança radical nas suas vidas...
Quando tudo voltar à normalidade, procura este livro na biblioteca e verás que não vais conseguir parar de ler.
Aqui fica, também, para que percebas um pouco melhor o contexto em que esta história surgiu, a transcrição de uma entrevista dada pela autora deste livro.



“Uma conversa com Catherine Marsh”

Catherine Marsh











1.    “O Rapaz Escondido” conta a história de dois rapazes, o Ahmed e o Max, que se encontram ambos bem longe de casa. Onde foi buscar inspiração para este livro?

Em julho de 2015, mudei-me de Washington, D.C., para Bruxelas, na Bélgica, para que o meu marido, que é jornalista, pudesse escrever sobre a segurança europeia. Arrendámos uma bonita casa com um jardim murado – adivinhou! – na Avenue Albert Jonnart. Uma placa no final do quarteirão resumia a história de vida de Jonnart: como ele escondera um rapaz judeu na sua casa durante a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial e de que forma esse ato de resistência lhe custou a vida. Pensei na história de Jonnart quando descobri uma adega de vinho na cave da nossa casa. Parecia-me o local perfeito para esconder alguém.

2.    De que maneira a sua experiência como americana no estrangeiro influenciou a sua perspetiva enquanto escrevia este livro?

A história deste livro passa-se na nossa rua e na nossa casa, assim como numa versão ficcional da escola dos meus filhos. Quando começou o ano escolar, os meus filhos só sabiam umas quantas palavras de francês e eram os únicos falantes de inglês da turma. À semelhança do Max, o meu filho teve de se debater com uma caneta de tinta permanente e com o dictée semanal. Eu, por outro lado, tinha de decifrar confusas notas da escola e instruções da commune recorrendo ao francês já enferrujado que aprendera na escola. Fazer o dia a dia como estrangeira era esgotante e stressante, mesmo para uma família bastante favorecida, como era o caso da minha. Isso permitiu-me desenvolver uma enorme compaixão não apenas pelos meus três avós imigrantes, mas também pelos milhões de refugiados que chegaram à Europa nesse ano, e com muito menos do que eu.

3.    De que maneira viveu a crise dos refugiados na Bélgica e de que maneira isso moldou o livro?

Em Bruxelas, o símbolo mais visível da crise dos refugiados era o Parc Maximilien. Tal como muitas outras pessoas, senti-me bastante envergonhada ao ver homens, mulheres e crianças a dormirem em tendas no centro da cidade. Os refugiados mais vulneráveis eram, sem dúvida alguma, os menores desacompanhados: crianças com menos de 18 anos – na maioria rapazes – como o Ahmed. Muitas dessas crianças chegavam traumatizadas pela guerra ou pela violência e tinham perdido anos de educação escolar. Das 2650 pessoas que pediram asilo na Bélgica em 2015, 15% tinham menos de 14 anos.
Mas havia também uma história inspiradora no meio de tudo aquilo: o Parc Maximilien era totalmente gerido por voluntários – incluindo vários dos meus vizinhos e amigos, qua ajudavam com altruísmo e sem preconceito. O espírto de Albert Jonnart continuava muito vivo, mas, à medida que a ideia para este livro começava a solidificar, dei-me conta de que se encontrava também em perigo. Nem toda a gente na Europa, ou até nos Estados Unidos, estava satisfeita com o afluxo maioritário de refugiados muçulmanos. Essa preocupação aumentou com os ataques terroristas perpetrados pelo Estado Islâmico em Paris, em Bruxelas, em Nice e noutras cidades.

4.    O que a levou a abordar estes acontecimentos atuais no livro?

Senti que era importante descrever o medo que as pessoas estavam a sentir. Durante o ataque a Bruxelas, eu corri para a escola dos meus filhos, tal como a mãe do Max, e levei-os para casa. Nas semanas que se seguiram, pensei bastante sobre o medo de que alguma coisa me pudesse acontecer ou aos meus entes queridos, e de como era fácil deixar que esse medo distorcesse perceções e factos. Decidi colocar esta contenda no livro e tentei fazê-lo de uma forma honesta – não apenas através dos exemplos de personagens como a Madame Pauline, que se recusa a encarar o seu medo, mas também de outras personagens como o Max, que o enfrenta.

5.    É evidente que tinha bastante experiência pessoal à qual recorrer para construir o Max. Mas como foi que elaborou a história do Ahmed?

Ao imaginar a vida do Ahmed, tive a enorme ajuda de várias famílias e indivíduos oriundos da Síria, principalmente de Aleppo, que partilharam generosamente as suas memórias e responderam às minhas intermináveis perguntas. Também tenho a sorte de viver numa era de excelente jornalismo e recorri aos pormenores de várias notícias, blogues e relatórios de agências não-governamentais. Entrevistei jornalistas, voluntários, defensores dos refugiados, membros da comunidade islâmica de Bruxelas e um menor desacompanhado. Todas as experiências são únicas, mas tentei capturar aquilo que me pareceu uma verdade emocional mais ampla.

6.    À medida que o Max vai sabendo mais sobre a história de Albert Jonnart e de Ralph Mayer, reconhece algumas semelhanças entre a forma como os judeus foram tratados durante a Segunda Guerra Mundial e o tratamento dado aos atuais refugiados sírios.
O que espera que os leitores retirem deste livro?

Uma das experiências que mais estimo enquanto trabalhava neste livro foi a de conhecer Bénédicte Jonnart, a neta de Albert Jonnart. Aqui há uns anos, a Bénédicte ouviu falar dos Justos Entre as Nações, uma designação especial atribuída pelo Estado de Israel a todos os não-judeus que arriscaram as suas vidas para ajudarem judeus durante o Holocausto. Ela pensou de imediato no avô. Para que ele se pudesse habilitar ao título, a Bénédicte tinha de fornecer provas e, com isso em mente, tornou-se a historiadora não oficial da família – reunindo cartas trocadas entre Albert e a esposa, Simone Deploige, realizando entrevistas com membros da família e até localizando um processo legal confidencial intentado contra o vizinho que traiu Jonnart, que incluía os testemunhos em primeira mão do Ralph. Em 2013, em resultado dos seus esforços, tanto o Albert como a Simone foram considerados Justos Entre as Nações e os seus nomes figuram no muro do Jardim dos Justos, em Jerusalém.
É impossível incluir todos os magníficos pormenores da história que Bénédicte partilhou comigo. Mas todos os pormenores incluídos neste livro – incluindo a fuga de Ralph pelos telhados – são verdadeiros. Colette Dubuisson-Breuer, a filha de Jacques Breuer, o arqueólogo que escondeu Ralph depois de Albert Jonnart ter sido preso, também partilhou a sua história comigo, assim como as recordações que guardava do Ralph, que permaneceu em contacto com as famílias Jonnart e Breuer.
         Devo ainda acrescentar que o Pierre, o pai da Bénédicte e colega de escola do Ralph, saiu de casa após a prisão do pai e juntou-se à resistência. Faleceu no dia 1 de março de 2018, com 93 anos. A Bénédicte teve o cuidado de não mencionar o nome do vizinho que traiu a família e, embora eu o tenha visto nos documentos legais, segui o exemplo dela e decidi não o revelar. A história de Albert Jonnart não é sobre traição e raiva. Pelo contrário, é precisamente sobre aquilo que eu espero que os meus leitores venham a reter depois de lerem o livro: a extraordinária importância de fazer o que está certo e de ser gentil, principalmente com aqueles que não são da nossa família ou da nossa tribo, aqueles que consideramos os “outros”.


Katherine Marsh
Abril  de 2018
Bruxelas, Bélgica


 



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