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sábado, 19 de dezembro de 2020

"O Gigante Egoísta" de Oscar Wilde - Leituras de Porta em Porta

 Aqui fica o belo texto de Oscar Wilde para lembrar que o Natal é um tempo de dádiva e de altruísmo...

“O Gigante Egoísta” 

“Todas as tardes, depois da escola, as crianças brincavam no jardim do gigante.

Era um grande e belo jardim, forrado de uma relva macia e verde. Estava semeado de flores semelhantes a estrelas e havia doze pessegueiros que na Primavera se cobriam de pétalas cor-de-rosa e pérola e no Outono davam frutos saborosos. Os pássaros cantavam tão docemente entre a folhagem daquelas árvores, que a crianças interrompiam muitas vezes as suas brincadeiras para os ouvir em silêncio. «Como somos felizes aqui», diziam umas às outras.

Um dia o Gigante voltou. Fora visitar um amigo, o Ogre da Cornualha, com quem passara sete anos. Decorrido esse tempo, tendo dito um ao outro quanto poderiam dizer, porque as suas conversas eram bastante limitadas, decidira voltar para o seu castelo. Quando chegou, encontrou as crianças no seu jardim.

- Que fazeis aqui? – gritou, num tom de voz muito bruto. As crianças fugiram apressadamente.

- O jardim é meu – disse o Gigante -, qualquer pessoa pode perceber isso, e não deixarei que ninguém, além de mim, venha para aqui brincar. Construiu então um grande muro em torno do jardim, e colocou nele uma tabuleta que dizia: «Os Invasores Serão Processados.»

Era decididamente um Gigante muito egoísta.

As pobres crianças não tinham agora nenhum sítio onde pudessem brincar. Experimentaram a estrada, mas não gostaram; havia muito pó e muitas pedras. No fim das aulas iam rondar o muro, conversando sobre o belo jardim que havia lá dentro: «Como fomos felizes ali», diziam uns aos outros.

Veio depois a Primavera e o campo encheu-se de flores e passarinhos. Só no jardim do Gigante Egoísta reinava ainda o Inverno. Os pássaros não mostravam desejos de cantar porque ali não havia crianças, e as árvores esqueciam-se de florir. Um dia, uma flor levantou timidamente a cabeça na relva mas, ao ver a tabuleta, sentiu tanta pena das crianças que deslizou de novo para a terra e adormeceu. Os únicos seres que viviam ali satisfeitos eram a Neve e a Geada. «A Primavera esqueceu-se deste jardim», exclamavam, «e poderemos ficar aqui todo o ano.» A Neve cobria a relva com o seu alvo manto e a Geada enfeitava de prata todas as árvores. Tinham convidado o Vento Norte a fazer-lhes companhia e ele viera. Enrolado em peles, rugia o dia inteiro, e tanto soprou que acabou por derrubar as chaminés do castelo. «Este lugar é deliciosos», dizia. «Precisamos de convidar o Granizo a visitar-nos.» E veio o Granizo. Tamborilava todos os dias nos telhados mais ou menos durante três horas. Esfacelou, assim, quase todas as telhas, enquanto corria em torno do jardim, rodopiando vertiginosamente. Vestia-se de cinzento e tinha um hálito gelado.

«Não percebo porque demora tanto a Primavera a chegar», dizia a si próprio o Gigante Egoísta, sentado à janela, contemplando o seu jardim branco e frio. «Espero que o tempo mude.»

Mas a Primavera nunca chegou, nem o Verão. O Outono espalhou os seus frutos dourados por todos os jardins, mas não reservou um único para o jardim do Gigante. «Ele é demasiado egoísta», explicava o Outono. Portanto, ali era sempre Inverno, e apenas ali ficaram o Vento Norte, o Granizo, a Geada, e a Neve dançando entre as árvores.

Certa manhã, acordado, mas ainda na cama, o Gigante ouviu uma música encantadora. Soava-lhe tão bem que pensou que seriam os músicos do rei, de passagem. Era apenas um pequeno tentilhão que cantava no peitoril da janela, mas há tanto tempo que o Gigante não ouvia o canto de uma ave no seu jardim, que aquela música lhe soava como a mais bela do mundo. Então, o Granizo parou de dançar sobre a sua cabeça, o Vento Norte parou de rugir, e entrou pela janela um perfume delicado. «Acho que a Primavera chegou finalmente», pensou o Gigante, e saltou da cama para ver o que se passava lá fora.

Que viu então?

O espetáculo mais maravilhoso que se possa imaginar. Através de um buraco no muro, as crianças tinham penetrado no jardim e estavam sentadas nos troncos das árvores. Em todas as árvores que conseguia ver havia uma criança. E as árvores estavam tão contentes com o regresso dos garotos que se haviam recoberto de flores e agitavam docemente os ramos sobre as pequeninas cabeças. Os pássaros esvoaçavam de um lado para o outro, chilreando alegremente, e as flores olhavam sobre a relva, rindo. Era uma cena deliciosa; só num canto do jardim ainda era Inverno. Era o canto mais afastado, e nele estava um rapazinho muito pequeno. Era tão pequeno que não conseguia alcançar os ramos da árvore, e rodava à volta dela, chorando de desespero. A pobre árvore estava ainda coberta de Geada e Neve e o Vento Norte rugia entre os seus ramos. «Sobe, rapazinho», dizia a árvore, inclinando os ramos para ele, o mais baixo que podia. Mas o menino era demasiado pequeno.

O coração do Gigante comoveu-se, de repente. «Como tenho sido egoísta! Agora compreendo por que motivo a Primavera não voltava aqui. Vou ajudar aquele pequenino a subir para a árvore. Derrubarei o muro e o meu jardim transformar-se-á num parque de recreio para as crianças, para todo o sempre.» Estava realmente arrependido do que tinha feito.

Desceu devagar as escadas, abriu o portão sem fazer barulho e saiu para o jardim. Mal o viram, as crianças, assustadas, fugiram a correr e o Inverno voltou a tomar conta do jardim. Só o pequenino não pudera fugir porque tinha os olhos tão cheios de lágrimas que nem sequer vira o Gigante. Este aproximou-se dele, tomou-o delicadamente sobre a palma da mão e colocou-o num ramo. Imediatamente a árvore desabrochou em milhares e milhares de flores, e os pássaros começaram a cantar, e o pequenino passou os braços em torno do pescoço do Gigante e beijou-o. Vendo que o Gigante já não era mau, as outras crianças voltaram para o jardim. E com elas voltou a Primavera. «Agora o jardim é vosso, meninos», disse o Gigante, e pegou numa picareta e derrubou o muro. Ao meio-dia, as mulheres que voltavam do mercado viram o Gigante a brincar com as crianças no mais belo jardim que se possa imaginar.

Brincaram o dia inteiro e, ao chegar da noite, as crianças despediram-se do Gigante.

- Mas onde está o vosso companheiro? – perguntou.

- Onde está o pequenino que eu coloquei sobre a árvore? – O Gigante gostara mais desse menino porque o tinha beijado.

- Não sabemos – responderam. – Foi-se embora.

- Digam-lhe que não falte, que volte amanhã – pediu o Gigante. Mas as crianças responderam que não sabiam onde morava o menino, e que nunca antes o tinham visto; e o Gigante sentiu-se muito triste.

Todas as tardes, quando a escola acabava, as crianças vinham brincar com o Gigante. Mas o menino que o Gigante tanto amava nunca mais apareceu. O Gigante continuou a ser muito bom para todas as crianças, mas pensava sempre naquele seu primeiro amiguinho, e falava frequentemente nele. «Como gostaria de o tornar a ver!», dizia.

Os anos passaram e o Gigante ficou velho e fraco. Sentado numa enorme poltrona, olhava as crianças, distraídas nos seus folguedos, e admirava o jardim. «Tenho muitas flores belas», pensava; «mas as crianças são as flores mais belas de todas.»

Certa manhã de Inverno, enquanto se vestia, olhou pela janela. Já não odiava o Inverno, porque sabia, agora, que era apenas o sono da Primavera, e que as flores estavam a descansar.

De repente, esfregou os olhos, maravilhado, e olhou, e tornou a olhar. No ângulo mais distante do jardim estava uma árvore toda coberta de flores brancas. Dos seus ramos de ouro pendiam frutos de prata e debaixo dela estava sentado o pequenino que ele tanto amava.

O Gigante, doido de alegria, precipitou-se pela escada, até ao jardim. Correu pela relva e aproximou-se da criança. Quando chegou junto dela, o seu rosto ficou vermelho de raiva, e perguntou:

-Quem ousou ferir-te? – Porque nas palmas das mãos da criança estavam as marcas de dois pregos, e os seus pés tinham também a marca de dois pregos.

-Quem ousou ferir-te? – repetiu o Gigante. – Diz-me, para que eu o agarre e mate com a minha grande espada.

- Não! – respondeu o menino. – Estas feridas são de amor.

- Quem és tu, então? – perguntou o Gigante e, assolado por um estranho tremor, ajoelhou-se diante da criança.

O menino sorriu-lhe e disse:

- Uma vez deixaste-me brincar no teu jardim. Agora vens tu comigo para o meu jardim, que é o Paraíso.

E naquela tarde, quando as crianças chegaram, correndo, ao jardim, encontraram o Gigante morto, estendido sob a árvore, coberto de flores brancas.”

 

Wilde, O. (2019). O Gigante Egoísta. In Nas Tuas Mãos Unip. Lda., Vinte Surpreendentes Histórias de Natal (pp. 111-116). Lisboa: Sibila Publicações.

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