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domingo, 13 de março de 2022

"Do Telemóvel Para o Mundo" - Sugestão de Leitura para Pais e Enc. de Educação

"Este livro de Daniel Sampaio, numa linguagem coloquial mas rigorosa, aborda a mais atual problemática com que se confrontam os adolescentes, pais e educadores de hoje: a relação dos jovens com a internet e as redes sociais. Partindo duma contextualização sociológica da sociedade atual e da relação dos jovens com as redes sociais e a internet, bem como às mais diversas áreas do conhecimento que proporcionam, aborda também as mais perniciosas questões com que sistematicamente nos confrontamos no relacionamento com as novas tecnologias.

Sem colocar em causa o benefício no acesso e ao conhecimento que esta tecnologia proporciona revela também os problemas que a sua má utilização pode provocar nos jovens de hoje, nomeadamente a vulgarização da sua intimidade, através das redes sociais: Instagram, Facebook, WhatsApp, Snapchat, You Tube.

No fim de cada capítulo inclui uma secção «Para pensar» e «Perguntas e Respostas» em que esquematiza como um manual de consulta as questões de maior importância. Aborda ainda a relação dos adolescentes e dos educadores com a sexualidade as drogas e o álcool, relatando em cada deles casos clínicos específicos.”

Fonte: Fnac.pt

Aqui fica o excerto que oferecemos aos pais.

Boa leitura!

 Os pais, os filhos adolescentes, a internet e as redes sociais

      A internet e as redes sociais são tema frequente entre os pais e os filhos adolescentes, sobretudo nas famílias com mais recursos.

            Quando há cerca de vinte anos preparava o meu livro Voltei à Escola visitei muitas escolas do continente e regiões autónomas. A grande preocupação dos pais era o que fazer face à dependência dos programas televisivos, que prendiam os adolescentes durante muitas horas. Lembro-me na altura eu estar sempre a dizer que o aparelho televisivo tinha um botão para desligar, mas nem sempre conseguia grandes resultados, porque a televisão parecia dominar o diálogo familiar.

            Duas décadas depois tudo está diferente. Com exceção de algumas séries e de certos jogos desportivos, os jovens não se sentam a ver televisão: o «pequeno ecrã» é agora o do telemóvel ou o do computador caseiro. (…)

            A grande maioria dos jovens portugueses comunica com os colegas e amigos através do telemóvel (por vezes também do tablet).

            Os modernos telemóveis, curiosamente batizados de smartphones, permitem o acesso a plataformas de comunicação muito atrativas para os adolescentes e possibilitam uma comunicação muito rápida. Tornam possível, através do acesso às redes sociais, a partilha de emoções e sentimentos, o que é decisivo na adolescência.

            Compreende-se que pais e educadores vivam uma crescente preocupação com o uso do telemóvel, não só pelos riscos da sua ligação à internet (tantas vezes referidos e não raro exagerados), mas pelo uso abusivo de net tornada portátil e de acesso muito facilitado nos nossos dias. Os novos telefones ligam os jovens entre si e podemos mesmo dizer que os adolescentes de hoje partem do seu telemóvel para o mundo, numa comunicação múltipla nunca antes conseguida. Os pais interrogam-se sobre o modo como falar com os filhos e duvidam tantas vezes sobre a sua própria importância na formação da personalidade dos mais novos.

            Os telemóveis ligados à internet invadiram por completo o quotidiano das famílias e levantam importantes questões de privacidade e de autoridade parental, em que muitas vezes a internet é considerada a responsável por tudo o que corre mal.

            Recorremos de novo a Gustavo Cardoso e colaboradores [1]: «44,8%, ou seja, perto de metade dos jovens inquiridos, já teve discussões com os pais por causa do tempo que passa ligado à internet […]. É entre os 13 e os 15 anos que há uma maior percentagem de inquiridos que já tiveram discussões com os pais, percentagem essa que baixa um pouco entre os 16 e os 18 anos [pp. 133-134] […] quando é desencadeado um conflito familiar em torno da utilização do telemóvel são discutidas muitas vezes em conjunto as várias dimensões de utilização: o tempo, o período do dia em que se usa o telemóvel, o que se faz com o telemóvel, os gastos (são 41,5% os rapazes que declararam já ter entrado em contenda com os pais por causa do tempo passado a jogar, sendo que as raparigas estão a uma distância de vinte pontos percentuais)» (pp. 142-143).

            Nada disto seria dramático à partida se todos pensassem sempre como o problema não está nos dispositivos, mas reside no utilizador. É possível uma utilização saudável do telemóvel, se existirem regras desde o início da sua aplicação.

Por isso, pais, professores e adolescentes têm de acertar o modo de uso de dispositivos móveis, numa atmosfera de partilha e de confiança mútuas. Se assim for, é possível, numa família, ter adultos e jovens como grandes utilizadores da internet sem que o seu uso seja abusivo ou gerador de dependência.       

Para verificar até que ponto o adolescente está dependente, convém saber:

 

a)    Se está sempre a utilizar o telemóvel: às refeições, em momentos de conversa com familiares e amigos, no quarto antes de dormir ou mesmo nas aulas;

b)    Se fica extremamente ansioso quando esquece o telemóvel e não o consegue encontrar;

c)    Se mente sobre a sua utilização, sobretudo ao deitar e durante a noite, com o argumento (por exemplo) de que foram os amigos que telefonaram contra as suas indicações;

d)    Se está a enviar mensagens para pessoas na mesma sala ou para alguém que acabou de deixar;

e)    Se o utiliza no cinema, no teatro ou em concertos;

f)     Se utiliza as aplicações dezenas de vezes por dia;

g)    Sobretudo se falta aos seus compromissos mais importantes, nomeadamente escola ou trabalho, momentos familiares significativos, refeições e horas de sono.

(…)

            É impossível, ao contrário do que muitos pais pretendem, controlar totalmente a utilização do telemóvel pelos adolescentes. Tudo de facto se modificou com os smartphones, pondo novos desafios a pais e educadores. As retiradas provisórias de telemóvel, como castigo dado pelos pais por utilização descontrolada, têm muito pouco efeito e acabam por provocar zangas inúteis. O que importa é determinar períodos de não utilização do telemóvel, em que pais e filhos decidem com precisão, embora sem rigidez, estar livres para outras interações familiares.

            Esses momentos devem ser decididos através do diálogo entre pais e filhos, mas convém saber que alguns desses períodos não são negociáveis. Por exemplo, não deve haver utilização de telemóveis no período de sono (22h/8h), nem durante as refeições, regra também válida para os adultos, que muitas vezes a quebram (é frequente ver filhos no Instagram e pais ao mesmo tempo no Facebook). Também deve ser explicado que uma mensagem no WhatsApp não precisa de ser logo respondida…

            É evidente que a família tem de se esforçar, no seu conjunto, para criar alternativas à utilização excessiva da internet. Só através de várias tentativas para se conseguirem convívios familiares sem internet para todos é que esses momentos poderão sedimentar.

            O jantar em família, sem tabuleiros espalhados na sala mas com toda a gente à volta de uma mesa, constitui uma oportunidade que não se pode perder. Há mais de vinte anos, no meu livro Inventem-se Novos Pais, descrevi esses jantares individuais como a «síndrome das bandejas», designação um pouco exagerada mas que infelizmente o tempo tornou significativa. Em muitas famílias, pais e filhos jantam sozinhos, na sala ou no quarto, com o diálogo familiar a ser reduzido ao mínimo. Desde 2011 a generalização da internet nos telemóveis tornou esta realidade ainda mais evidente. Todavia, é possível alterá-la. Em muitas famílias há desejo de partilha, existem muitos pais e filhos que espreitam uma oportunidade para se (re)encontrarem.

 Perguntas e Respostas

 P: Tenho uma filha de 11 anos completamente viciada no telemóvel. Combinei que depois das dez da noite o telemóvel ficava ao meu cuidado, no meu quarto ou na sala. Imagine o que aconteceu: há duas noites, pelas quatro da manhã, acordei com algum ruído. Vi a minha filha a rastejar em direção à sala (a porta do meu quarto tem uma parte em vidro), depois passar de novo para o seu quarto, deslocando-se de gatas. Sem que ela notasse, levantei-me para ver o que se passava e fui dar com ela agarrada ao telemóvel! Não disse nada porque era muito tarde! Depois alguns dias passaram e não sei se é oportuno voltar ao assunto, tenho medo que seja pior.

         R: Claro que deve voltar ao assunto. Se estabeleceu com a sua filha uma regra para utilização do telemóvel, não deve desistir de a pôr em prática. Espero que o compromisso de não utilização se estenda também aos períodos de estudo e das refeições em família!

            O comportamento da sua filha é um pouco preocupante. Em primeiro lugar porque não está a ter um sono descansado, essencial numa menina em crescimento; depois porque não cumpriu um compromisso; finalmente, porque parece estar a ficar dependente do telemóvel.

            Fale com a sua filha de uma maneira calma. Diga que a viu rastejar durante a noite para ir buscar o telemóvel e como isso lhe desagradou. Redefina as regras de utilização do telemóvel e informe que a partir de agora o aparelho fica fechado durante a noite. Com discrição, procure saber se existe alguma preocupação que esteja a provocar tantas conversas telefónicas. Por favor, não adie essa conversa!”

 

Sampaio, D. (2018). Do Telemóvel Para o Mundo. Alfragide: Editorial Caminho, SA.



[1] Gustavo. C. (coordenação). (2015) A Sociedade dos Ecrãs. Lisboa: Tinta da China.


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