E, se no dia em que se
deve lembrar uma vez mais a importância das florestas para o equilíbrio
ambiental e ecológico, assim como da própria qualidade de vida dos cidadãos, se
falasse de “Amor”, não pelas árvores, mas “entre” as árvores. É este o tema de
mais um “Leituras de Porta em Porta” (Online). Esperemos que este texto nos
ajude a pensar que para além de serem fundamentais à nossa sobrevivência, as
árvores devem ser respeitadas como seres vivos que são, que nascem, crescem,
morrem, mas, também, “amam”.
“Amor
A placidez das árvores
reflete-se igualmente na sua reprodução, uma vez que esta é planeada com pelo
menos um ano de antecedência. A filiação determina se cada primavera é ou não a
estação do amor. Se, por exemplo, as coníferas lançam as suas sementes se
possível todos os anos, já as árvores de folha caduca adotam uma estratégia
completamente diferente. Antes que floresçam, é preciso que votem entre si:
avançamos com a coisa na próxima primavera ou é melhor esperarmos um ou dois
anos? Na floresta as árvores preferem florescer todas ao mesmo tempo, pois isso
permite que se misturem bem os genes de todos os indivíduos.
Isso aplica-se
perfeitamente às coníferas, embora as caducifólias tenham ainda em conta um
outro fator: as corças e os javalis. Estes animais têm um enorme apetite por bolotas
e amêndoas de faia, alimentos que os ajudam a formar uma espessa gordura para o
inverno, pois contêm até 50 por cento de óleo e amido, mais do que qualquer
outro alimento. Durante o outono, áreas florestais inteiras são vasculhadas até
à última migalha, de tal modo que na primavera mal é possível ocorrer qualquer
germinação de árvores. É por isso que as árvores se sincronizam entre elas. Se
não florescerem todos os anos, então corças e javalis não poderão contar com
alimento. Isso limita o número de novas crias, pois no inverno as fêmeas
grávidas têm de suportar um longo período com poucos nutrientes e nem todas
sobrevivem. Quando por fim todas as faias e carvalhos florescem ao mesmo tempo e
dão fruto, então os poucos devoradores de plantas não são capazes de consumir
tudo, o que faz com que sobrem sempre sementes em número suficiente para a
germinação. Nesses anos, os javalis triplicam as suas taxas de natalidade, já
que na floresta encontram alimento mais do que suficiente durante o inverno.
Antigamente utilizava-se a expressão «ano de engorda» para os anos em que havia
sementes de faias e carvalhos. Nesse tempo, a população rural aproveitava essa bênção
para os seus parentes domesticados, os porcos domésticos, levando-os para os
bosques a fim de engordarem com frutos selvagens antes da matança, garantindo
assim um toucinho em condições. O número de javalis voltava normalmente a
decair no ano seguinte, uma vez que as árvores voltavam a fazer uma pausa,
deixando vazio o chão da floresta.
Este florescimento em
intervalos de vários anos tem igualmente graves consequências para os insetos,
especialmente para as abelhas, uma vez que a elas se aplica o mesmo que aos
javalis, ou seja, uma pausa de vários anos faz decair a sua população. Ou
melhor dizendo, faria decair, já que grandes populações de abelhas é coisa que
não há. E porque não? Porque as verdadeiras árvores do bosque estão-se nas
tintas para estas pequenas colaboradoras. De que lhes servem uns quantos
insetos polinizadores quando florescem milhões e milhões de flores em áreas de
centenas de quilómetros quadrados. Uma árvore tem de pensar numa outra solução,
qualquer coisa mais fiável e menos exigente. Haverá então algo mais fácil que
aproveitar a ajuda do vento? O vento tira o fino pólen das flores e
transporta-o para as árvores vizinhas. Os fluxos de ar têm ainda uma vantagem
adicional, que é o facto de ocorrerem também a baixas temperaturas, até mesmo
abaixo dos 12ºC, valor abaixo do qual já está demasiado fresco para as abelhas
e estas ficam em casa. Este é provavelmente o motivo pelo qual também as coníferas
adotam esta estratégia. Na verdade, não teriam necessidade disto, uma vez que
florescem quase todos os anos. Dos javalis não precisam elas de ter medo, pois
os pequenos frutos de abetos e companhia não constituem uma atrativa fonte de
alimentação. É verdade que existem pássaros como o cruza-bico, que, como o
próprio nome indica, utiliza o seu poderoso bico retorcido para extrair o fruto
das pinhas e comê-lo, embora isso não represente um grande problema, tendo em
conta a quantidade total disponível. E uma vez que nenhum animal pretende
armazenar sementes de coníferas para o inverno, as árvores deixam a sua
procriação nas mãos do vento. É assim que vão lentamente caindo dos ramos,
podendo ser facilmente levadas pelas rajadas de vento. O certo é que uma conífera
não precisa de fazer uma pausa ao jeito das faias ou carvalhos.
E como se abetos e
companhia quisessem ainda superar as caducifólias no que ao acasalamento diz
respeito, produzem enormes quantidades de pólen. É tanto o pólen, que basta um
ligeiro vento para que sobre as florestas de coníferas em flor pairem enormes
nuvens, que mais parecem um fumo de um fogo a arder nas copas. Isto levanta
inevitavelmente a questão sobre como é possível evitar a endogamia perante
semelhante confusão. As árvores só sobreviveram até hoje por exibirem grande
variedade genética no seio de uma mesma espécie. Quando todas lançam o seu
pólen ao mesmo tempo, misturam-se os grânulos de todos os exemplares,
alastrando pelas copas de árvores inteiras. E uma vez que o próprio pólen se
encontra especialmente concentrado em volta do corpo correspondente, é grande o
perigo de acabar por polinizar as próprias flores. E isso é o que árvores não
querem de todo, pelos motivos já expostos. Para tal, desenvolveram variadas
estratégias. Algumas espécies apostam no momento certo. As flores macho e fêmea
abrem com alguns dias de diferença, para que estas últimas sejam
maioritariamente polinizadas pelo pólen de árvores da mesma espécie. As
cerejeiras-bravas, que confiam nos insetos, não têm esta possibilidade. Nelas
os órgãos sexuais masculinos e femininos encontram-se nas mesmas flores. Além
disso, na qualidade de uma das poucas autênticas espécies florestais, é
polinizada por abelhas, que continuamente exploram a copa inteira, espalhando
inevitavelmente o próprio pólen. Mas a cereja é sensível e pressente o perigo
da endogamia, verificando o pólen, cujas delicadas mangueiras penetram o
estigma feminino, desejando crescer na direção do óvulo. Se o pólen é próprio,
então os rebentos são travados e murcham. Apenas é permitido o material
genético de fora, de sucesso garantido, o qual irá posteriormente formar sementes
e frutos. De que forma pode a árvore distinguir o que é dela do que não é? Isso
é algo que até hoje não sabemos exatamente. Sabe-se apenas que efetivamente os
genes são ativados e têm de se adequar. Poderíamos dizer com segurança que a
árvore é capaz de pressenti-lo. Não é também verdade que para nós, seres
humanos, o amor físico é algo mais que a disseminação de neurotransmissores,
que por sua vez ativam secreções? Aquilo que as árvores sentem ao acasalar
permanecerá ainda durante muito tempo no domínio da especulação.
Algumas espécies evitam
a endogamia de forma bastante lógica, a saber, pelo facto de cada indivíduo ter
apenas um sexo. Existem por conseguinte salgueiros macho e salgueiros fêmea, os
quais inevitavelmente nunca se podem reproduzir consigo próprios, mas apenas
com outras árvores. Mas os salgueiros não são verdadeiras árvores do bosque.
Eles desenvolvem-se em locais pioneiros, ou seja, em qualquer parte onde ainda não
exista uma floresta. Uma vez que nessas superfícies crescem milhares de
florescentes ervas e arbustos, os quais atraem as abelhas, também os salgueiros
apostam nos insetos para a polinização. Só que isso acarreta um problema: as abelhas
precisam primeiro de voar até aos salgueiros macho, trazer daí o pólen e só
depois transportá-lo até aos salgueiros fêmea. O contrário não permite qualquer
tipo de polinização. O que faz então a árvore se ambos os sexos devem florescer
ao mesmo tempo? Os cientistas descobriram que para isso todos os salgueiros
segregam um odor sedutor que chama as abelhas. Quando os animais chegam à zona
abrangida, a orientação passa a ser de natureza ótica. Para tal, os salgueiros-macho
esforçam-se bastante com os seus esporos, fazendo-os emitir um brilho
amarelo-claro. Isso chama a atenção das abelhas para eles em primeiro lugar.
Após ingerirem uma primeira refeição de açúcar, os insetos dão meia-volta para
irem visitar as mais discretas flores verdes das árvores fêmea.
A endogamia, conforme
conhecida nos mamíferos, ou seja, no seio de uma população com laços de
parentesco, não deixa porém naturalmente de ser possível em todos os três casos
referidos. E aqui vento e abelhas têm em igual medida uma palavra a dizer, já
que ambos percorrem grandes distâncias, fazendo com que pelo menos uma parte
das árvores receba pólen de parentes bastante afastados, renovando assim
continuamente o património genético local. Apenas espécies arbóreas raras,
absolutamente isoladas, das quais apenas alguns exemplares coexistem, podem
perder a sua diversidade, tornando-se assim mais vulneráveis e acabando por
desaparecer por completo passados alguns séculos.”
In Wohlleben, P. (2016). A Vida Secreta das Árvores. Lisboa: Pergaminho.
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