Imagem da atual Biblioteca de Alexandria Fonte: Viator. https://www.viator.com/pt-PT/tours/Alexandria/half-day-tour-to-The-Bibliotheca-Alexandrina-Library-of-Alexandria |
“Alexandria,
o farol do saber”
«Até Roma atingir o apogeu, Alexandria, fundada por Alexandre em 331 a.C., foi a maior e mais populosa cidade do Mediterrâneo. Durante o primeiro século e meio da sua existência, assumiu a condição de centro cultural graças ao patrocínio dos Ptolomeus, os faraós gregos que fundaram o Museu e a sua Biblioteca. O Museu e a Biblioteca faziam parte do complexo palatino juntamente com um observatório astronómico e um jardim botânico.
“Não
há nada que não figure entre os seus tesouros”, assegurava um ditado da época.
“Ginásios, espetáculos, filósofos distintos, o recinto sagrado dos deuses, o
rei, homem generosíssimo, e além disto, o Museu!” Muitos decerto admiraram as
gigantescas proporções do farol e de outros edifícios de Alexandria ou
passearam pela ampla avenida do Canopo e pelos seus mercados de sedas e
especiarias. Poucos, em contrapartida, alguma vez colocaram pé no Museu (o
“Templo das Musas”), já que esta seleta instituição se encontrava dentro do
palácio real, que ocupava todo o bairro, e a sua entrada era restrita.
Sabia-se
que no Museu existia uma grande biblioteca, onde se acumulavam milhares de
rolos de papiro e que ali vivia uma comunidade de sábios. (…) Tanto Ptolomeu I,
o fundador do Museu, como o seu filho Ptolomeu II agiram com a mesma vontade de
domínio que empurrara Alexandre para a exploração dos confins do mundo. No
entanto, em vez de enviarem tropas para o Egito, estes soberanos enviaram
emissários comerciais com as bolsas cheias de ouro para comprar livros.
Chegaram mesmo a confiscar no porto de Alexandria o que não conseguiam comprar
e que queriam incluir nos fundos da biblioteca. Ao mesmo tempo, filósofos,
eruditos e homens de ciência de todo o mundo grego aceitaram o convite para
integrarem a comunidade do Museu, no palácio real. Livres de preocupações
materiais, já que nem impostos tinham de pagar, “adoravam as Musas” em
benefício dos seus generosos patronos. Os poucos que entravam no Museu sabiam
que este tinha diversas dependências: salas de conferências, laboratórios,
parques, pórticos, êxedras… já para não falar da famosíssima Biblioteca e do
refeitório onde os residentes comiam e celebravam banquetes juntos.
Porém, dentro do Museu, a vida não
registava a tranquilidade absoluta que se esperaria de um espaço de leitura.
Uma sátira da época comentava que “no Egito, o de muitas raças”, criavam-se,
“alguns rabiscadores de livros que discutem sem fim na gaiola dos pássaros do
Museu”.
De facto, Zenódoto de Éfeso, o
primeiro diretor da biblioteca, talvez fornecesse a sensação de que flutuava
pelas prateleiras e entre os rolos de papiro que tentava colocar seguindo uma
ordem alfabética – um sistema inventado por ele -, enquanto dezenas de colaboradores,
de estilete em riste, escreviam o texto da sua nova edição corrigida das obras
de Homero.(…)
Os membros do Museu tinham também de
agir como conselheiros dos monarcas e educavam os príncipes da casa real antes
da coroação. Zenódoto, por exemplo, foi tutor real de Ptolomeu II, e Apolónio
de Rodes, o segundo diretor da biblioteca, de Ptolomeu III. Os membros do Museu
podiam também integrar o séquito de outros membros da realeza, como Eratóstenes
de Cirene, o terceiro diretor da Biblioteca, que foi confidente da rainha
Arsínoe III e até lhe escreveu uma biografia.
O Museu era basicamente um centro de investigação e não uma universidade com ensino regular, embora por vezes incorporasse jovens promessas aos quais atualmente chamaríamos “assistentes de investigação”. É verdade que, com o tempo, os membros do Museu levaram a cabo uma espécie de ensino público, fosse sob a forma de conferências, de simpósios ou de banquetes nos quais o rei também pontualmente participava.
A festa das Musas
A melhor ocasião de relacionamento entre o Museu e a população de Alexandria era o festival organizado periodicamente em honra das Musas e do deus Apolo. Era constituído por jogos e concursos literários, com os respetivos prémios e honras para os vencedores.
Nestes
certames, também podiam participar estrangeiros com talento que quisessem dar a
conhecer as suas composições literárias. Era um evento internacional, e os
membros do Museu eram convidados para o júri. Conta-se que, para uma das
edições deste festival, Ptolomeu IV escolheu seis jurados da sua confiança, mas
faltava um sétimo. Então, o soberano dirigiu-se aos sábios do Museu e estes
apontaram para um jovem entre eles, de seu nome Aristófanes, que “com entusiasmo
e uma pontualidade extraordinária, não fazia mais do que ler e reler todos os
livros da biblioteca, seguindo uma ordem sistematizada”. (…)
Aristófanes
dedicara-se a ouvir as explicações do bibliotecário Zenódoto desde criança e,
como jovem prometedor, foi discípulo do poeta Clímaco. A escolha de Aristófanes
como membro do júri estava, assim, plenamente justificada por se tratar de uma
das estrelas emergentes no firmamento científico de Alexandria.
Os poetas começaram a recitar as suas
composições em voz alta, e o público presente assinalava aos juízes, com
aplausos ou assobios, os que eram do seu agrado e aqueles que não o eram.
Quando foi pedido aos juízes o seu veredito, seis concederam o primeiro prémio
ao poeta que melhor impressão causara no povo, mas Aristófanes deu como
vencedor precisamente o poeta que menos entusiasmo gerara nas massas.
O rei e os outros juízes
indignaram-se, mas Aristófanes indicou-lhes tranquilamente que o seguissem até
à biblioteca do Museu. Já na sala, Aristófanes começou a retirar das estantes
um grande número de rolos de papiro e foi comparando um a um com os poemas que
ouvira no festival. Os poetas vencedores tiveram de confessar que tinham
copiado as suas composições. Ptolomeu IV ordenou que os plagiadores fossem
punidos e despediu-os da forma mais humilhante. Em contrapartida, cobriu
Aristófanes de presentes e nomeou-o diretor da Biblioteca.
A partir do seu novo cargo, Aristófanes levou a cabo um prodigioso trabalho no campo da crítica literária e, com as suas edições dos dramaturgos e líricos gregos, permitiu que a filologia alexandrina chegasse ao apogeu.
Curiosidades…
O
Engano dos Atenienses
“E assim – terminava Galeno -, nada
podiam aqueles fazer, já que tinham em todo o caso recebido a prata com essa
condição. Receberam os novos livros e ficaram com a prata.”
Se existe algo que caracteriza as
nossas bibliotecas é o silêncio, tão necessário para nos concentrarmos na
leitura. Mas a leitura silenciosa é uma novidade medieval: na Antiguidade,
lia-se em voz alta. Por essa razão, as bibliotecas não tinham salas de leitura
como as atuais. Em Alexandria, o habitual era ouvir vozes continuamente: as dos
eruditos que liam, absortos, ou dos que passeavam ou se sentavam a conversar e
a trocar ideias no perípatos ou galeria coberta do Museu que Estrabão
mencionou, ou na êxedra (um espaço semicircular com bancos corridos) que este
autor também citou.
Os livros (…) eram feitos de papiro (…) e tinham a forma de rolos e o texto era colocado em colunas. O leitor segurava-os com as mãos: quando acabava de ler uma coluna de texto, desenrolava com a mão a seguinte, enquanto a outra enrolava o trecho que terminara.
Sánchez.
J. P. (2024). A Vida dos Sábios – A Biblioteca de Alexandria. História –
National Geographic, (19), 50-59.
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