Este ano não haverá "Leituras de Porta em Porta" para assinalar o Dia da Mãe. Os Alunos Monitores da Biblioteca não percorrerão os diversos espaços escolares para oferecer um rolinho de leitura a alunos, professores, assistentes operacionais e assistentes administrativos. Mas a Biblioteca não se demite da sua função de promoção da leitura.
Aqui ficam dois textos, um em prosa, outro em verso, para assinalar esta data.
Um beijo para todas as mães. Esperamos que gostem.
«A Minha Mãe
Pediram-me que
escrevesse sobre a mãe e eu não sei senão da minha e não sei o que fazer. Ando
nisto há dias. Não sabia que podia ser tão difícil. Em aflição, pensei mesmo em
descrever só estes dias em que fiz o que pude para desculpa de não escrever.
Até era capaz de ter graça, no fundo, não tinha graça nenhuma.
Podia escrever, com
verdade, pequenas frases assim: tem culpa de tudo; falo com ela todos os dias;
zangamo-nos muito; não posso passar sem ela.
Podia escrever, com
gratidão, frases mais longas: foi a minha mãe que me comprou um cavalete, telas
e tintas para eu pintar; foi a minha mãe que me levou três vezes por semana a
uma piscina para que eu aprendesse a nadar; foi a minha mãe que não adormeceu
para que eu pudesse sonhar.
Mas também podia
escrever, com raiva, coisas assim: deve-se ser exigente, mas não se deve
apontar um ideal tão alto que nos faz sentir, por mais que nos esforcemos,
necessariamente medíocres; o exemplo vivo educa, mas não a descrição dos
exemplos de outros nos quais nunca nos podemos reconhecer, já que não são
nossos; é preciso ter a coragem de traçar o limite para lá do qual compreender
e aceitar passa a ser uma desculpa ou uma cobardia.
E podia voltar a
escrever, com amor: mãe, obrigado por seres exatamente como és; mãe, obrigado
por desculpares, sem ser preciso eu pedir, todas as minhas injustiças e todas
as minhas faltas; mãe, enquanto eu viver tu vives sempre comigo e quando eu
morrer eu vou logo ter contigo.
Podia escrever isto e
continuar a escrever sem nunca acabar. Mas não escrevo, apago tudo. No amor não
há palavras. Será isso? Sim, é isso, tem de ser isso.»
Pedro Paixão
In
Horta, M. T.(1999). A Mãe na literatura
portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores.
Minha Mãe
Que Não Tenho
Minha
mãe que não tenho meu lençol
de
linho de carinho de distância
água
memória viva do retrato
que
às vezes mata a sede da infância.
Ai
água que não bebo em vez do fel
que
a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai
fonte que eu não oiço ai mãe ai mel
da
flor do corpo que me traz à míngua.
De
que Egipto vieste? De qual Ganges?
De
qual pai tão distante me pariste
minha
mãe minha dívida de sangue
minha
razão de ser violento e triste
Minha
mãe que não tenho minha força
sumo
da fúria que fechei por dentro
serás
sibila virgem buda
corça
ou
apenas um mundo em que não entro?
Minha
mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói
a casa a lenha e o jardim
e
deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te
façam conceber dentro de mim.
Ary dos Santos
In
Santos, J. C. A. Dos (1994). Ary – Obra Poética.
Lisboa: Editorial «Avante!», SA.
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