terça-feira, 24 de abril de 2012
A Despedideira
Há mulheres que querem que o seu homem seja o sol. O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios. Para que ele seja a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, quero que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no ciclo das águas e dos ventos. E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse a mão da minha vaidade.
Há muito tempo, me casei, também eu. Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou, já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém. Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem. Lembro o tempo em que me encantei, tudo era um princípio. Eu era nova, dezanovinha.
Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta de que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio de sentimento. Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra eu me divinizei. Como perfume em que perdesse minha própria aparência. Me solvia na fala, insubstanciada.
Lembro desse encontro, dessa primogénita primeira-vez. Como se aquele momento fosse, afinal, toda minha vida. Aconteceu aqui, neste mesmo pátio em que agora o espero. Era uma tarde boa para a gente existir. O mundo cheirava a casa. O ar por ali parava. A brisa sem voar, quase nidificava. Vez e voz, os olhos e os olhares. Ele, em minha frente, todo chegado como se a sua única viagem tivesse sido para a minha vida.
No entanto, algo nele aparentava distância. O fumo escapava entre os seus dedos. Não levava o cigarro à boca. Em seu parado gesto, o tabaco a si mesmo se consumia. Ele gostava assim: a inteira cinza tombando intacta no chão. Pois eu tombei igualmente àquela cinza. Desabei inteira sob o corpo dele. Depois me desfiz em poeira, toda estrelada no chão. As mãos dele: o vento espalhando cinzas. Eu.
Nesse mesmo pátio em que se estreava meu coração tudo iria, afinal, acabar. Porque ele anunciou tudo nesse poente. Que a paixão dele desbrilhara. Sem mais nada, nem outra mulher havendo. Só isso: a murchidão do que, antes, florescia. Eu insisti, louca de tristeza. Não havia mesmo outra mulher? Não havia. O único intruso era o tempo, que nossa rotina deixara crescer e pesar. Ele se chegou e me beijou a testa. Como se faz a um filho, um beijo longe da boca. Meu peito era um rio lavado, escoado no estuário do choro.
Era essa tarde, já descaída em escuro. Ressalvo. Diz-se que a tarde cai. Diz-se que a noite também cai. Mas eu encontro o contrário: a manhã é que cai. Por um cansaço de luz, um suicídio da sombra. Lhe explico. São três os bichos que o tempo tem: manhã, tarde e noite. A noite é quem tem asas. Mas são asas de avestruz. Porque a noite as usa fechadas, ao serviço de nada. A tarde é a felina criatura. Espreguiçando, mandriosa, inventadora de sombras. A manhã, essa, é um caracol, em adolescente espiral. Sobe pelos muros, desenrodilha-se vagarosa. E tomba, no desamparo do meio-dia.
Deixem-me agora evocar, aos goles de lembrança. Enquanto espero que ele volte, de novo, a este pátio. Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento. Por isso, vou lembrando aos poucos. Me debruço na varanda e a altura me tonteia. Quase vou na vertigem. Sabem o que descobri? Que minha alma é feita de água. Não posso me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.
Porque eu não sou por mim. Existo reflectida, ardível em paixão. Como a lua: o que brilho é por luz de outro. A luz desse amante, luz dançando na água. Mesmo que surja assim, agora, distante e fria. Cinza de um cigarro nunca fumado.
Pedi-lhe que viesse uma vez mais. Para que, de nono, se despeça de mim. E passados os anos, tantos que já nem cabem na lembrança, eu ainda choro como se fosse a primeira despedida. Porque esse adeus, só esse aceno é meu, todo inteiramente meu. Um adeus à medida de meu amor.
Assim, ele virá para renovar despedidas. Quando a lágrima escorrer no meu rosto eu a sorverei, como quem bebe o tempo. Essa água é, agora, meu único alimento. Meu último alento. Já não tenho mais desse amor que a sua própria conclusão. Como quem tem um corpo apenas pela ferida de o perder. Por isso, refaço a despedida. Seja esse o modo de o meu amor se fazer eternamente nosso.
Toda a vida acreditei: amor é os dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. De mais. Ambicione, sim, ser o múltiplo de nada. Ninguém no plural. Ninguéns.
Couto, Mia (2004) «A despedideira», in O Fio das Missangas. Lisboa: Caminho, 2004, pp. 53 - 56.
Beijo, kiss, bisou, beso, kuss...
Lembra-se do primeiro? Olhos nos olhos, mãos suadas, coração acelerado, lábios hesitantes. Tensão e emoção. Num sopro, paraíso ou inferno. Afinal, porque beijamos? Simples: porque queremos. Porque nos rendemos aos afetos e nos deixamos levar pelos impulsos românticos. E, contudo, explicam os cientistas, o fenómeno é muito mais complexo do que a simples comunhão de duas bocas, seja no entrelaçar das línguas ou, com menos saliva, na união de dois lábios (ou, para ser mais rigoroso, dois pares de lábios). Por isso criaram a filematologia, a ciência que estuda o beijo e as suas funções. Como na canção “As Time Goes By”, imortalizada em “Casablanca“, “a kiss is still a kiss” mas será sempre algo mais que a estrofe em que duas bocas rimam, para usar outra citação famosa. Por detrás de cada gesto escondem-se não só um emaranhado de reações orgânicas, mas também uma miríade de motivações que nem sempre são óbvias. Beijamos por paixão, mas também por costume, educação, respeito e até por mera formalidade. A própria forma como beijamos varia de acordo com o que queremos expressar.
Segundo o antropólogo inglês Desmond Morris, as origens do beijo estão num instinto bem mais primário: o das mães primatas mastigarem a comida e a passarem às crias através da boca, um costume que sobrevive ainda em algumas tribos do Planeta. O gesto, especula Morris, terá evoluído para uma forma de confortar crianças esfomeadas quando a comida escasseava e, mais tarde, para demonstrar amor e carinho.
Para outros cientistas, beijar está ligado ao complexo processo de escolha de um parceiro. Quando duas pessoas se beijam, trocam uma série de informações (gustativas, mas também olfativas, táteis, visuais e até de postura) que, inconscientemente, as ajudam a perceber o grau de comprometimento do outro na relação. O gesto pode revelar até que ponto se está perante a pessoa ideal para formar família, sendo por isso uma ação fundamental para a sobrevivência das espécies.
A chave deste fenómeno está no olfato. Beijar ativa a libertação de feromonas que, ao serem detetadas, de forma inconsciente, pelas mulheres, as ajudam a escolher os parceiros que terão uma melhor descendência. A explicação está num conjunto de genes ligados a uma parte do sistema imunitário conhecida como complexo maior de histocompatibilidade (CMH), que, através do olfato, desempenha um papel fundamental na atração sexual. Aqui funciona a lei de que os opostos se atraem: elas preferem homens com um CMH diferente do seu, uma escolha influenciada pela Natureza: juntar parceiros com diferentes genes do sistema imunológico fortalece as defesas da geração seguinte, melhorando, assim, as hipóteses de sobrevivência da espécie.
Talvez por isso, a ciência tem demonstrado que o primeiro beijo pode ajudar a afastar o que as forças do romantismo uniram. O sucesso de uma relação depende, muitas vezes, desse momento único em que os lábios se tocam pela primeira vez. Segundo um estudo publicado na revista científica “Evolutionary Psychology“, 59% dos homens e 66% das mulheres admitiram já ter perdido o interesse por alguém após o primeiro beijo.
A investigação revela outros dados interessantes, que vêm confirmar alguns estereótipos sobre os comportamentos sexuais dos dois géneros: os homens utilizam mais o beijo como um meio para atingir um envolvimento sexual e estão mais predispostos a ter sexo sem beijar, com alguém que considerem beijar mal ou mesmo com alguém por quem não se sintam atraídos. Já as mulheres, intuitivamente, tendem a usar o beijo para avaliar o estado da sua relação e o grau de comprometimento do seu parceiro.
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Março de 2009
"Sintra pára para ler" na Gama Barros
A Escola Secundária/3 de Gama Barros parou ontem para ler, de manhã, à tarde e também à noite, associando-se assim às restantes escolas do Concelho de Sintra.
A Biblioteca Escolar apresentou duas sugestões de leitura - uma para os alunos do 3.º ciclo, e outra para os alunos do Ensino Secundário. As duas propostas surgem no âmbito de uma das temáticas que tem vindo a ser trabalhada, pela BE, em parceria com o Projeto de Educação para a Saúde, com os alunos ao longo do ano letivo - O Beijo.
Realizaram-se, também, na biblioteca duas sessões de leitura para todos os Assistentes Operacionais. Ambas as sessões tiveram um feedback muito positivo, tendo-se registado, inclusivé, uma procura significativa do livro, do qual foi lido um excerto, para requisição domiciliária.
Aqui ficam os dois textos apresentados como sugestões de leitura aos alunos. O primeiro é um texto publicado na imprensa, na edição do Expresso de 7 de março de 2009, e o segundo é um conto do autor Moçambicano, Mia Couto.
Páre também um pouco para ler...
quinta-feira, 19 de abril de 2012
SINTRA PÁRA PARA LER
A 23 de Abril celebra-se o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. A UNESCO instituiu em 1995 o Dia Mundial do Livro.
A data foi escolhida por ser um dia importante para a literatura mundial - foi a 23 de Abril de 1616 que faleceu Miguel de Cervantes e também William Shakespeare, dois dos maiores escritores de todos os tempos.
Esta data serve ainda para chamar a atenção para a importância do livro como bem cultural, essencial para o desenvolvimento da literacia e desenvolvimento económico.
Este ano, no concelho de Sintra, por incentivo da Rede Concelhia de Bibliotecas Escolares (RBE), foi proposto às escolas a comemoração desta efeméride, pela sua importância, para que tenha um impacto junto da comunidade local, regional e até mesmo nacional, de modo a valorizar, cada vez mais, o ato de ler e também os livros (SINTRA PARA para LER).
Os agrupamentos de escolas deste concelho aceitaram o desafio e tiraram da cartola um leque diversificado de atividades que celebram esta efeméride: Flash Mobs, Pic-Nic Literário, Contadores de Histórias, Curtas Metragens temáticas, Feiras do Livro, Leituras Non Stop… de tudo um pouco se vai poder ver nas escolas e também nas Bibliotecas Municipais deste concelho que também abraçaram este movimento cultural.
Para este dia, o conselho deste concelho é: Pare, Leia, Desfrute.
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