segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Leituras de porta em porta – 27 de janeiro de 2025 - 80 anos sobre a Libertação do Campo de Concentração de Auschwitz




Como não poderia deixar de ser, a biblioteca escolar da Escola Básica e Secundária de Gama Barros dinamizou a atividade “Leituras de porta em porta” para assinalar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.

Desta vez, trata-se de um excerto do livro “A Minha Amiga Anne Frank” da autoria de Hannah Pick-Goslar e relata um momento em que Hannah e Anne Frank se “encontraram” no Campo de concentração de Bergen Belsen pouco antes de Anne falecer.

Decidimos anexar ao texto uma pequena “etiqueta” onde se representa a conhecida entrada do Campo de Concentração de Auschwitz com a sua mensagem “Arbeit Macht Frei” – “O Trabalho Liberta” e uma pequena tabela com alguns dados relativos ao número de deportados e de mortos naquele campo.

Acresce referir que, contámos, uma vez mais, com a colaboração de algumas das nossas alunas monitoras, que distribuíram este texto aos docentes, assistentes administrativos e assistentes operacionais. No entanto, ele também será oferecido aos alunos de todas as turmas do 8.º ano que vão participar na atividade “Visita virtual ao mundo de Anne Frank” que vai ser dinamizada na Biblioteca Escolar no início do 2.º Semestre.

Esperemos que goste desta proposta de leitura.




“(…) Um dia, reparei que a vedação que nos separava do campo de tendas estava cheia de palha. Fiquei intrigada, mas alguém me disse que era para não nos podermos ver uns aos outros. Porém, estávamos todos sedentos de informação e as pessoas arriscavam-se a aproximar-se das vedações, desafiando a ordem direta de não comunicar com os que estavam noutros campos, num misto de solidariedade e curiosidade. Estavam sempre a chegar novos transportes que, por vezes, traziam informações novas.

            - Há mulheres neerlandesas entre os novos transportes – anunciou uma mulher nas nossas camaratas um dia em fevereiro. – Ouvia-as a falar em neerlandês.

            Isto pôs-nos a todos em alvoroço. Todos queríamos saber se havia familiares ou amigos do outro lado da vedação – pessoas que tínhamos visto pela última vez em Westerbork ou nas nossas cidades natais. As mulheres do nosso campo começaram a aproximar-se da vedação cheia de palha, chamando em neerlandês e trocando informações rápidas. Dali a pouco, uma mulher que tinha conhecido a minha família em Amesterdão veio à minha procura. Eu nunca, jamais, teria sonhado com o que ela me contou. Anne Frank encontrava-se entre as mulheres e raparigas neerlandesas do outro lado da vedação.

            -A Anne está aqui? – perguntei-lhe, repetindo as suas palavras, mas sem as compreender minimamente naquele momento. – A Anne está a poucos metros de distância? Aqui? Aqui em Bergen-Belsen?

            A minha mente tentou processar esta informação. Parecia impossível. Anne encontrava-se na Suíça, segura, quente, a viver numa casa aquecida, a frequentar a escola, sem dúvida a partir o coração de algum rapaz e a gozar a vida com a família, a avó e os primos. Anne tinha sido poupada a este tormento. Era o que eu acreditava ser verdade desde o dia em que fui a casa dela e a encontrei vazia(…) naquele dia quente e incrivelmente distante de julho de 1942. Estávamos agora em fevereiro de 1945. Como é que Anne tinha vindo parar aqui? E se ela fazia parte dos que tinham chegado de transporte, isso significava que tinha estado num campo de concentração na Polónia. Nada disso fazia sentido para mim.

            Mas se Anne se encontrava mesmo a poucos metros de mim, então como é que eu não haveria de tentar encontrá-la, mesmo que pudesse ser castigada por isso. Havia tanto para lhe perguntar e tanto para contar. Estava tão entusiasmada com a possibilidade de a ver que o meu coração batia com mais força no meu peito. Depois, senti imediatamente o meu choque transformar-se noutra coisa completamente diferente: uma tristeza profunda e pesarosa. A minha amiga, a minha animada e inteligente Anne. Se ela estava aqui não estava livre. Tinha sido uma bênção pensar que ela se encontrava na Suíça. Ela era realmente a única amiga com quem não tinha de me preocupar, para além de Jacque em Amesterdão. (…)

            Tinha de tentar vê-la. Normalmente, eu não corria riscos. A minha segurança e a de Gabi eram o mais importante. Mas como é que eu deixaria de o fazer? Por isso, decidi sair das minhas camaratas antes do recolher obrigatório das nove horas dessa noite. (…)

            O caminho cheio de lama estava escorregadio e concentrei-me em não cair. Enquanto me aproximava cuidadosamente da vedação, ainda estava a tentar digerir o facto de poder vir a ver Anne em breve. Continuava inundada pela descrença; era difícil deixar de lado as minhas imagens de Anne na Suíça, tão longe da doença e da morte que via aqui.

            Eu sabia muito bem que havia torres de vigia com guardas das SS munidos de metralhadoras e que eles também patrulhavam, com pastores-alemães à trela, de ambos os lados da vedação. As vedações rodeavam-nos e dividiam-nos. Não me tinha esquecido de que o castigo por falar com os prisioneiros do outro lado da vedação podia ser a morte. Estava a tremer de frio e de medo. Mas também pensava em Anne e os meus pés continuaram a andar durante os cinco minutos que demorei a lá chegar. (…)

            - Olá? Olá? – chamei numa voz suave. – Está aí alguém?

            Uma voz respondeu-me, também em neerlandês.

            - Sim?

            Parecia-me familiar.

            - O meu nome é Auguste van Pels – ouvi a mulher dizer.

            Sra. Van Pels! Ela e o marido e o filho Peter iam por vezes visitar a família Frank. Eles viviam na nossa rua e eu sabia que o marido dela trabalhava com o Sr. Frank.

            - É a Hannah. Aqui é a Hannah Goslar – disse-lhe eu.

            Ela respondeu logo:

            - Deves querer falar com a Anne. Eu trago-a. A Margot também está cá. Mas está demasiado doente para vir. (…)

            Sentia o meu coração bater de tal maneira no peito que quase me surpreendi por conseguir ouvir a vozinha calma que me chamou:

- Hanneli? Hanneli, és mesmo tu?

- Sim, sim, Anne, sou eu! – respondi.

Desatámos logo a chorar, com a mesma chuva fria a cair sobre nós, em lados opostos desta maldita vedação. Não tínhamos muito tempo, por isso, entre lágrimas, consegui perguntar:

- Como é que estás aqui? Porque não estás com a tua avó na Suíça?

Ela contou-me que não tinham chegado a ir para a Suíça. Aquela história tinha sido uma farsa. Reparei que a voz dela estava mais fraca, mais débil. Já não era o chilrear ruidoso e confiante que eu conhecia. (…)

- Cortaram-me o cabelo – disse ela, com a voz ainda cheia de incredulidade. Senti o travo da sua indignação. O seu cabelo escuro e sedoso. Estava sempre a escová-lo, a fazer experiências com rolos; era a sua característica preferida. E estava gelada, disse-me ela, vestida apenas com trapos. Estremeci só de pensar nela totalmente exposta ao vento gelado e à chuva que soprava à nossa volta. Margot estava doente com tifo, demasiado doente para sair da cama, contou-me. Deu-me a terrível notícia de que os seus pais tinham morrido. De certeza que morreram gaseados, disse ela.

Mais palavras que não faziam sentido para mim. Gaseados? O que significava isso? Eu tinha visto pessoas morrerem de fome e de doença em Bergen-Belsen, e sabíamos que tentar fugir – ou até mesmo falar uns com os outros desta forma – podia significar levar um tiro, mas morrer gaseado? (…)

Era demasiado para compreender. A voz de Anne pertencia a um mundo distante dali, à nossa praça Merwedeplein, onde passávamos as tardes perdidas no mundo das brincadeiras e das nossas imaginações, onde nunca passávamos fome e dormíamos em camas quentes, aconchegadas por pais amorosos. Mas, naquela voz que eu conhecia tão bem, ela estava a dizer que as pessoas em Auschwitz eram mortas por gaseamento, incluindo os seus próprios pais. Como era isso possível? (…)

- Não tenho ninguém. - disse ela, palavras acutilantes para mim.

Agora estávamos as duas a chorar. Duas raparigas aterrorizadas sob um céu noturno encharcado de chuva, separadas por esta barreira de palha e arame farpado. Como é que as coisas tinham chegado a este ponto?

- Estou a morrer de fome. Tens comida? Podes trazer-me alguma? – perguntou Anne.

- Sim, vou tentar – respondi, interrogando-me, à medida que as palavras saíam, como é que conseguiria fazê-lo.

- Volto daqui a duas noites. Espera por mim – disse eu.

Ela disse que o faria. Despedimo-nos apressadamente e com tristeza. Olhei em redor, examinando cuidadosamente a periferia da vedação à procura de guardas, antes de voltar para as camaratas. Sentia o meu corpo todo a vibrar com a adrenalina de voltar a encontrar Anne. Mas também tinha o coração apertado. Ela estava tão abatida, uma sombra da Anne que eu conhecia.

- Hanneli, graças a Deus que voltaste – disse a Sra. Abrahams, correndo para mim quando entrei nas camaratas.

- É a Anne, é mesmo a Anne – disse-lhe a ela e a um pequeno grupo de mulheres que se juntaram para ouvir mais. – Mas está a tremer de frio, sem nada para vestir para além da roupa esfarrapada da prisão, e mais esfomeada do que qualquer uma de nós aqui no Campo Sternlager.

Falei-lhes mais sobre Anne, dizendo-lhes que era a pessoa mais dinâmica e confiante que eu conhecia. As minhas amigas das camaratas riram-se quando lhes contei o que a minha mãe costumava dizer para brincar com ela: «Deus sabe tudo, mas a Anne sabe ainda mais.» Porém, agora, ela estava tão fragilizada, tão diferente, expliquei. Reparei na forma como olhavam para mim: com tanta empatia e tristeza nos olhos. Imaginei que talvez estivessem a pensar nas suas melhores amigas perdidas no meio desta guerra terrível, perguntando-se onde estariam.

Tinha de regressar à vedação, a Anne, com alguma comida, expliquei. Mas como é que iria conseguir levar-lhe alguma coisa?

- Não te preocupes, vamos certificar-nos de que consegues levar-lhe alguma coisa – disse uma mulher.

E depois outras voluntariaram-se para ajudar também. Elas tinham tão pouco para si e nem sequer conheciam Anne. Fiquei impressionada com a sua bondade. Nos dias que se seguiram, passaram pelo meu beliche com as suas ofertas. As mulheres contribuíram com parte do que tinham poupado dos nossos pequenos pacotes da Cruz Vermelha. Aqui, um pão era dividido em pedaços de quatro centímetros, partilhado por várias famílias e tinha de durar dois dias. Mas, mesmo assim, estas mulheres davam o que podiam.”

Pick-Goslar, H. (2023). A Minha Amiga Anne Frank. Bertrand Editora.


"Rosa Branca" promove reflexão sobre a Guerra, a Paz, a Tolerância... na Biblioteca Escolar

 

 O dia 27 de janeiro – Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto - foi assinalado com várias atividades na Biblioteca Escolar da Escola Básica e Secundária de Gama Barros.

As turmas do 5.º ano participaram na leitura do belíssimo livro da autoria de Roberto Innocenti, “Rosa Branca”. A professora bibliotecária, Filomena Lima, recorreu sobretudo às ilustrações do livro, cuja imensa qualidade e potencial de informação que veiculam permitem, não só contar a história da jovem Rosa Branca, mas também abordar algumas questões relacionadas com a 2.ª Guerra Mundial  e, em particular, com a realidade dos Campos de Concentração e com o Holocausto.  A história vai fluindo seguindo o olhar d@s alun@s em relação a cada uma das ilustrações. No entanto, apesar das várias dezenas de olhares e de perspetivas sobre o mesmo livro, há alguns denominadores comuns – o poder destrutivo das guerras sobre as estruturas e as pessoas, a importância da solidariedade e do altruísmo do ser humano manifestados neste livro na ajuda prestada por Rosa Branca a todos aqueles que se encontravam no Campo de Concentração, com risco da sua própria vida.

@s alun@s mostraram-se muito interessados nesta bela história. Não posso deixar de referir os belos momentos de partilha e de emoção profunda que vivemos mas devo, também, sublinhar a sensibilização feita para a importância da PAZ num mundo cada vez mais turbulento e onde os ódios e os conflitos dominam as Redes Sociais e os Media reflexo de um mundo cada vez mais violento e intolerante.