"Este livro de
Daniel Sampaio, numa linguagem coloquial mas rigorosa, aborda a mais atual
problemática com que se confrontam os adolescentes, pais e educadores de hoje:
a relação dos jovens com a internet e as redes sociais. Partindo duma
contextualização sociológica da sociedade atual e da relação dos jovens com as
redes sociais e a internet, bem como às mais diversas áreas do conhecimento que
proporcionam, aborda também as mais perniciosas questões com que
sistematicamente nos confrontamos no relacionamento com as novas tecnologias.
Sem colocar em causa o
benefício no acesso e ao conhecimento que esta tecnologia proporciona revela
também os problemas que a sua má utilização pode provocar nos jovens de hoje,
nomeadamente a vulgarização da sua intimidade, através das redes sociais:
Instagram, Facebook, WhatsApp, Snapchat, You Tube.
No fim de cada capítulo
inclui uma secção «Para pensar» e «Perguntas e Respostas» em que esquematiza
como um manual de consulta as questões de maior importância. Aborda ainda a
relação dos adolescentes e dos educadores com a sexualidade as drogas e o
álcool, relatando em cada deles casos clínicos específicos.”
Fonte: Fnac.pt
Aqui fica o
excerto que oferecemos aos pais.
Boa leitura!
“Os pais, os filhos adolescentes, a internet
e as redes sociais
A internet e as redes sociais são
tema frequente entre os pais e os filhos adolescentes, sobretudo nas famílias
com mais recursos.
Quando há cerca de vinte anos preparava
o meu livro Voltei à Escola visitei
muitas escolas do continente e regiões autónomas. A grande preocupação dos pais
era o que fazer face à dependência dos programas televisivos, que prendiam os
adolescentes durante muitas horas. Lembro-me na altura eu estar sempre a dizer
que o aparelho televisivo tinha um botão para desligar, mas nem sempre
conseguia grandes resultados, porque a televisão parecia dominar o diálogo
familiar.
Duas décadas depois tudo está
diferente. Com exceção de algumas séries e de certos jogos desportivos, os
jovens não se sentam a ver televisão: o «pequeno ecrã» é agora o do telemóvel
ou o do computador caseiro. (…)
A grande maioria dos jovens
portugueses comunica com os colegas e amigos através do telemóvel (por vezes
também do tablet).
Os modernos telemóveis, curiosamente
batizados de smartphones, permitem o
acesso a plataformas de comunicação muito atrativas para os adolescentes e
possibilitam uma comunicação muito rápida. Tornam possível, através do acesso
às redes sociais, a partilha de emoções e sentimentos, o que é decisivo na
adolescência.
Compreende-se que pais e educadores
vivam uma crescente preocupação com o uso do telemóvel, não só pelos riscos da
sua ligação à internet (tantas vezes referidos e não raro exagerados), mas pelo
uso abusivo de net tornada portátil e de acesso muito facilitado nos nossos
dias. Os novos telefones ligam os jovens entre si e podemos mesmo dizer que os
adolescentes de hoje partem do seu telemóvel para o mundo, numa comunicação
múltipla nunca antes conseguida. Os pais interrogam-se sobre o modo como falar
com os filhos e duvidam tantas vezes sobre a sua própria importância na
formação da personalidade dos mais novos.
Os telemóveis ligados à internet
invadiram por completo o quotidiano das famílias e levantam importantes
questões de privacidade e de autoridade parental, em que muitas vezes a
internet é considerada a responsável por tudo o que corre mal.
Recorremos de novo a Gustavo Cardoso
e colaboradores :
«44,8%, ou seja, perto de metade dos jovens inquiridos, já teve discussões com
os pais por causa do tempo que passa ligado à internet […]. É entre os 13 e os
15 anos que há uma maior percentagem de inquiridos que já tiveram discussões
com os pais, percentagem essa que baixa um pouco entre os 16 e os 18 anos [pp.
133-134] […] quando é desencadeado um conflito familiar em torno da utilização
do telemóvel são discutidas muitas vezes em conjunto as várias dimensões de
utilização: o tempo, o período do dia em que se usa o telemóvel, o que se faz
com o telemóvel, os gastos (são 41,5% os rapazes que declararam já ter entrado
em contenda com os pais por causa do tempo passado a jogar, sendo que as
raparigas estão a uma distância de vinte pontos percentuais)» (pp. 142-143).
Nada disto seria dramático à partida
se todos pensassem sempre como o problema não está nos dispositivos, mas reside
no utilizador. É possível uma utilização saudável do telemóvel, se existirem
regras desde o início da sua aplicação.
Por isso, pais, professores e adolescentes
têm de acertar o modo de uso de dispositivos móveis, numa atmosfera de partilha
e de confiança mútuas. Se assim for, é possível, numa família, ter adultos e
jovens como grandes utilizadores da internet sem que o seu uso seja abusivo ou
gerador de dependência.
Para
verificar até que ponto o adolescente está dependente, convém saber:
a) Se está sempre a
utilizar o telemóvel: às refeições, em momentos de conversa com familiares e
amigos, no quarto antes de dormir ou mesmo nas aulas;
b) Se fica extremamente
ansioso quando esquece o telemóvel e não o consegue encontrar;
c) Se mente sobre a
sua utilização, sobretudo ao deitar e durante a noite, com o argumento (por
exemplo) de que foram os amigos que telefonaram contra as suas indicações;
d) Se está a enviar
mensagens para pessoas na mesma sala ou para alguém que acabou de deixar;
e) Se o utiliza no
cinema, no teatro ou em concertos;
f) Se utiliza as
aplicações dezenas de vezes por dia;
g) Sobretudo se
falta aos seus compromissos mais importantes, nomeadamente escola ou trabalho,
momentos familiares significativos, refeições e horas de sono.
(…)
É impossível, ao contrário do que
muitos pais pretendem, controlar totalmente a utilização do telemóvel pelos
adolescentes. Tudo de facto se modificou com os smartphones, pondo novos desafios a pais e educadores. As retiradas
provisórias de telemóvel, como castigo dado pelos pais por utilização
descontrolada, têm muito pouco efeito e acabam por provocar zangas inúteis. O
que importa é determinar períodos de não
utilização do telemóvel, em que pais e filhos decidem com precisão, embora
sem rigidez, estar livres para outras interações familiares.
Esses momentos devem ser decididos
através do diálogo entre pais e filhos, mas convém saber que alguns desses
períodos não são negociáveis. Por exemplo, não deve haver utilização de
telemóveis no período de sono (22h/8h), nem durante as refeições, regra também
válida para os adultos, que muitas vezes a quebram (é frequente ver filhos no Instagram e pais ao mesmo tempo no Facebook). Também deve ser explicado que
uma mensagem no WhatsApp não precisa
de ser logo respondida…
É evidente que a família tem de se
esforçar, no seu conjunto, para criar alternativas à utilização excessiva da
internet. Só através de várias tentativas para se conseguirem convívios
familiares sem internet para todos é que esses momentos poderão sedimentar.
O jantar em família, sem tabuleiros
espalhados na sala mas com toda a gente à volta de uma mesa, constitui uma
oportunidade que não se pode perder. Há mais de vinte anos, no meu livro Inventem-se Novos Pais, descrevi esses
jantares individuais como a «síndrome das bandejas», designação um pouco
exagerada mas que infelizmente o tempo tornou significativa. Em muitas
famílias, pais e filhos jantam sozinhos, na sala ou no quarto, com o diálogo
familiar a ser reduzido ao mínimo. Desde 2011 a generalização da internet nos
telemóveis tornou esta realidade ainda mais evidente. Todavia, é possível
alterá-la. Em muitas famílias há desejo de partilha, existem muitos pais e
filhos que espreitam uma oportunidade para se (re)encontrarem.
Perguntas
e Respostas
P:
Tenho uma filha de 11 anos completamente viciada no telemóvel. Combinei que
depois das dez da noite o telemóvel ficava ao meu cuidado, no meu quarto ou na
sala. Imagine o que aconteceu: há duas noites, pelas quatro da manhã, acordei
com algum ruído. Vi a minha filha a rastejar em direção à sala (a porta do meu
quarto tem uma parte em vidro), depois passar de novo para o seu quarto,
deslocando-se de gatas. Sem que ela notasse, levantei-me para ver o que se
passava e fui dar com ela agarrada ao telemóvel! Não disse nada porque era
muito tarde! Depois alguns dias passaram e não sei se é oportuno voltar ao
assunto, tenho medo que seja pior.
R: Claro que deve voltar ao assunto.
Se estabeleceu com a sua filha uma regra para utilização do telemóvel, não deve
desistir de a pôr em prática. Espero que o compromisso de não utilização se
estenda também aos períodos de estudo e das refeições em família!
O comportamento da sua filha é um pouco
preocupante. Em primeiro lugar porque não está a ter um sono descansado,
essencial numa menina em crescimento; depois porque não cumpriu um compromisso;
finalmente, porque parece estar a ficar dependente do telemóvel.
Fale com a sua filha de uma maneira
calma. Diga que a viu rastejar durante a noite para ir buscar o telemóvel e
como isso lhe desagradou. Redefina as regras de utilização do telemóvel e
informe que a partir de agora o aparelho fica fechado durante a noite. Com
discrição, procure saber se existe alguma preocupação que esteja a provocar
tantas conversas telefónicas. Por favor, não adie essa conversa!”
Sampaio, D. (2018). Do Telemóvel Para o Mundo. Alfragide: Editorial Caminho, SA.