No âmbito do Dia
Internacional da Mulher, a Biblioteca Escolar dinamizou mais um “Leituras de
porta em porta”. À semelhança do que é habitual, os alunos monitores tiveram um papel ativo e
muito importante na distribuição dos textos à comunidade escolar – professores,
Assistentes Operacionais e Assistentes Administrativos.
Desta vez, e dado que,
em princípio, este ano se realizarão os Jogos Olímpicos de Tóquio, o excerto
escolhido aborda a participação das mulheres, ao longo do tempo, neste
importante evento desportivo.
O livro “Deusas e
Guerreiras dos Jogos Olímpicos” está disponível na Biblioteca Escolar da ESGB.
Leia o texto que segue após as fotos.
Jogos Olímpicos – Participação
das mulheres
1. Jogos Olímpicos
da Era Antiga
A origem dos Jogos Olímpicos (JO)
permanece incerta, mas todas as lendas olímpicas apresentam um ponto comum: os
jogos como manifestações religiosas e culturais.
São várias as lendas, e versões de
historiadores, que tentam enquadrar e datar os JO da era antiga realizados no
que hoje conhecemos como Grécia.
Uma das lendas refere que foi Zeus quem
fundou os JO para festejar a sua vitória contra Cronos.
Segundo Homero, o seu criador foi Pélops
(1500 a.C.), filho de Tântalo, deus da fertilidade e avô de Hércules, que, para
conseguir a mão da filha do rei Oneramos teria de ganhar uma corrida de
cavalos. Alcançando o seu objetivo, celebrou a vitória consagrando os jogos a
Zeus. (…)
Os jogos de Olímpia, assim com outros
jogos pan-helénicos, e o desporto em geral, têm raízes nos rituais fúnebres de
morte e renascimento de forças vitais da terra, origens no domínio do sagrado,
e eram celebrados na proximidade de sepulturas de heróis, com a de Pélops, em
Olímpia. Sendo que a Grécia não correspondia a um estado mas a uma série de
cidades-estado e de colónias, os jogos pan-helénicos reuniam o mundo grego,
partilhando-se o sentimento de pertença a uma mesma cultura ou religião. Além
de festival religioso tinham como objetivo mostrar as qualidades físicas dos
seus atletas e o estádio substituía, temporariamente, o campo de batalha. (…)
O desporto grego, parte do destino de
todos os homens jovens, congregava três objetivos: um social – formar homens,
física e psicologicamente perfeitos, que contribuíssem para a vida política e
religiosa da polis; outro de ordem
militar, formar cidadãos fortes, capazes de combater; e um terceiro, mítico,
associado ao sagrado, ao divino.
Independentemente de quem foi o fundador
dos JO, o certo é que, na era antiga, os jogos se realizaram entre 776 a.C. e
393 d.C.
Aspetos
da organização dos Jogos Olímpicos
Em termos organizativos, o auge dos JO
parece ter ocorrido no século V a. C..
Os jogos tinham lugar no fim do mês de
julho ou no início de setembro. Se inicialmente se realizavam apenas num dia, a
sua duração foi-se alargando até aos 7 dias, assim como foram aumentando o
número de disciplinas em concurso. Estabelecida a data, os mensageiros
anunciavam a trégua sagrada que, pelo menos teoricamente, abria um período sem
conflitos, antes, durante e após os jogos, entre os gregos. A trégua, de um
mês, permitiria que os atletas e todos os interessados se deslocassem em
segurança para o local dos jogos, um clima de paz durante os mesmos e
permitiria ainda que os vencedores fossem homenageados e adorados quando
regressassem às suas cidades. (…)
Deviam ainda, (os atletas) um mês antes
das provas, concentrarem-se em Olímpia para treinarem no hipódromo, na
palestra, no ginásio ou no estádio – a última fase de qualificação para os
jogos. Dois dias antes do início dos JO, os atletas, treinadores, embaixadores,
sacerdotes, etc. concentravam-se em Elis e organizava-se o cortejo olímpico em
direção a Olímpia, um percurso de 300 estádios (cerca de 57 Km); a entrada na
cidade assinalava o primeiro dia dos jogos.
O programa olímpico era constituído, inicialmente,
apenas pela corrida de velocidade à qual, com o tempo, se foram juntando outras
disciplinas, mas sempre individuais:
Corrida (…); Luta livre (…); Boxe (…);
Salto em comprimento (…); Lançamento do disco (…); Lançamento do dardo (…);
Pancrácio, forma primitiva de arte marcial que combinava luta e boxe (valia
tudo menos tirar olhos, morder e pôs os dedos no nariz do adversário); Pentatlo
(…); Provas equestres, corridas de cavalos e de carros, sendo a corrida de
quadrigas a mais espetacular. (…)
Os Jogos eram encerrados ao sétimo dia,
com cerimónias sagradas. Os vencedores recebiam uma palma e uma coroa de
oliveira e, em cortejo, dirigiam-se ao teatro onde era cantado um hino em sua
honra e largados pombos anilhados para que o nome dos vencedores fosse
conhecido no mundo grego.
E
as mulheres nos JO da antiguidade?
O regulamento olímpico era bem claro
quanto às mulheres nos Jogos: interdição por motivos religiosos. As mulheres,
casadas, solteiras e as jovens eram excluídas das provas, assim como de muitos
momentos da vida pública, nem tampouco podiam assistir aos Jogos. A violação
das regras era punida com a morte: as prevaricadoras eram atiradas do rochedo
Tipaion. Os Jogos eram interditados também aos não-gregos, estrangeiros,
escravos e aos condenados. (…)
Porém, as mulheres solteiras e as
raparigas tinham os seus jogos – Jogos de Hera. Hera, mulher e irmã de Zeus,
rainha das divindades Olímpicas, era deusa do casamento e do nascimento.
Estes Jogos, realizados também de quatro
em quatro anos, e celebrados em honra da deusa, eram organizados e
supervisionados por um comité constituído por 16 mulheres.
Os jogos femininos, tal como os
masculinos, tinham um fundamento mítico e religioso, e a corrida (160 metros),
no estádio, por categorias – crianças, adolescentes e jovens – era a sua única
prova.
Corriam com os cabelos soltos e usavam
uma túnica até aos joelhos, com o ombro direito descoberto até ao seio (símbolo
do sol).
As vencedoras recebiam também uma coroa
de oliveira, uma parte da vaca que era sacrificada em honra de Hera e romãs,
símbolo de fertilidade. (…)
Se não nos centrarmos apenas nos JO e
nos Jogos de Hera, há notícia de outros jogos para mulheres como, por exemplo,
em Esparta: duas sociedades femininas (as Leicípedes e as Dionísias) realizavam
uma corrida na montanha. O exercício físico fazia parte da educação das
espartanas, ainda que o seu objetivo fosse eugénico. Praticariam também luta e
não lutariam apenas entre elas, mas também com os rapazes.(…)
Kallipateira (440 a. C.) deve ter sido a
primeira treinadora na história do desporto. Por morte do seu marido, treinou o
filho, Peisirodos, e, disfarçada de homem, tomou o lugar destinado aos
treinadores. Após a vitória de Peisirodos e com a excitação deixou cair o
disfarce. Por ser filha, irmã, prima e mãe de vencedores olímpicos foi poupada
de ser lançada do Tipaion.
A partir deste incidente foi determinado
que os treinadores deviam participar nus nos jogos, tal e qual os
concorrentes.(…)
Com mais ou menos restrições o exercício
físico não estaria de todo interdito às mulheres; a grande restrição parece ser
os JO. Mas julgamos que é permitido sublinhar um aspeto que eventualmente
influenciaria, e muito, os propósitos da prática desportiva das mulheres,
durante séculos – a atividade física como meio de as tornar saudáveis e fortes
para a procriação, circunscrevendo os papéis das mulheres à maternidade e à
esfera doméstica.
A
influência do ideário de Coubertin no desporto feminino
(…) No seu longo mandato (29 anos) à
frente do Comité Olímpico Internacional (COI), Coubertin não concebia mulheres
em competições onde participassem homens; (…) São por demais conhecidas algumas
das suas posições:
. Uma Olimpíada com mulheres seria
irrealista, sem interesse, inestética e imprópria - … seria uma pseudo
Olimpíada;
. quanto à participação feminina nos
Jogos, sou totalmente contra;
. é contra a minha vontade que as
mulheres sejam admitidas a um número de provas cada vez maior;
. continuo a pensar que o contacto com
as atletas é prejudicial (para os atletas), e que este atletismo deveria ser
excluído do programa Olímpico;
. o único herói Olímpico é o atleta
individual adulto. Assim nem mulheres, nem desportos de equipa.
Não é possível deixar de assinalar que o
Barão considerava interessante que as mulheres, enquanto esposas, apreciassem
os prazeres desportivos dos maridos e, enquanto mães, orientassem a educação
física dos seus filhos. Atitudes paternalistas como esta, um antifeminismo
primário, a defesa da superioridade branca e o apoio mais ou menos declarado ao
nazismo foram tirando protagonismo e poder a Pierre de Coubertin. Retirou-se
para a Suiça, sem fortuna, morrendo em 1937, em Genebra.
2.
As mulheres nos
Jogos Olímpicos
Feminização dos desportos e provas no programa
olímpico
Quase tão lenta
como a evolução do número de mulheres atletas nos Jogos foi a introdução no
programa
olímpico
dos desportos e provas que lhes foram sendo permitidos.
Durante os primeiros 75 anos do
século XX, as oportunidades das mulheres foram frustradas pelo fanatismo e
ignorância de alguns dirigentes desportivos e pela noção errada de que as
mulheres eram muito frágeis para praticar desportos ou que a capacidade
atlética era incompatível com a “verdadeira” feminilidade. Durante décadas,
apenas foi permitido às mulheres a competição olímpica num reduzido número de
desportos e de provas.(…)
Se considerarmos que grande parte do
atual programa olímpico foi definido nas primeiras cinco olimpíadas (1896 a
1912) as mulheres tiveram de esperar 100 ou mais anos para poderem competir em
provas como, por exemplo, o Triplo Salto, Salto com Vara e Lançamento do
Martelo, Sabre (Esgrima); Halterofilismo, Luta Livre, Pólo Aquático ou Fosso
Olímpico (Tiro). Esperaram entre 84 e 96 anos para serem autorizadas a competir
nas provas de Ciclismo em Pista ou em Estrada (…) e na Maratona.
A inclusão desta última prova nos
eventos femininos, em 1984, parecia ser capaz de derrubar o mito da fragilidade
dos corpos das mulheres.
A progressão dos recordes nesta
distância, alcançados por homens e por mulheres, mostra-nos que os corpos das
mulheres são poderosos e capazes de sempre se superarem. Com efeito, enquanto
os maratonistas, em 94 anos, melhoraram o tempo na distância em 50 minutos, as
atletas da maratona em 77 anos conseguiram tirar 1 hora e 25 minutos ao tempo
necessário para percorrer os 42,195 metros.
Cruz, I., Silva, P., Gomes, P. (2006). Deusas e guerreiras dos Jogos Olímpicos. Lisboa:
Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.
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