sábado, 5 de abril de 2025

Na Semana da Leitura houve “Leituras de Porta em Porta”…

 

Na Semana da Leitura não podia faltar uma partilha de textos com a comunidade escolar – professores, assistentes operacionais e administrativos e alunas monitoras. Desta vez, a escolha da professora bibliotecária, Filomena Lima, recaiu sobre dois pequenos ensaios sobre a leitura, da autoria de Irene Vallejo, publicados no livro “Alguém Falou Sobre Nós”, uma coletânea de ensaios sobre o mundo atual, à luz da sabedoria da Antiguidade Clássica, ou não fosse a autora uma apaixonada e estudiosa de Filologia Clássica. Nestes textos, em particular, a autora sublinha a importância da leitura como um processo que permite a evasão de nós próprios e a possibilidade de “viajar” por outros mundos e por outras personagens e como isso contribui para o enriquecimento da nossa linguagem e do nosso intelecto.

A iniciativa contou, como já vem sendo habitual, com a colaboração das alunas monitoras da biblioteca escolar, e, desta vez, também com a participação de outras alunas que pediram para colaborar com as suas colegas. Muito obrigada a todas!

Esperamos que estes textos sejam do seu agrado.

Boas Leituras!!!




“Os óculos de outros” 

«Os livros relembram-nos de que somos seres muito peculiares. Porque é que encontramos tanto prazer na exploração de mundos imaginários? O que é que nos atrai em todos esses relatos onde se descrevem factos que não aconteceram, e que são apenas invenções? Alguns cientistas opinam que ler é uma ampliação da brincadeira infantil e, como as restantes brincadeiras, prepara-nos para a vida. Os leitores habituam-se a observar com o olho da mente a amplitude do mundo e a enorme variedade de situações e pessoas que o povoam; é por isso que as suas ideias são mais ágeis e que a sua imaginação é mais iluminadora.

          Para além do mais, quando lemos, saímos de nós próprios. Projetamo-nos com total liberdade e à nossa vontade nas personagens de uma história. A perspetiva de sermos transitoriamente pessoas diferentes é muito atraente para a nossa permanente curiosidade. Todos queremos ver através de outros olhos, pensar com outras ideias e sentir com outras paixões. A magia consiste em encará-las totalmente, em pormos os óculos de outros e observarmos o que se vê através deles, deslizando pelos prazeres ou os terrores ou as ambições que esse olhar vai revelando. E o melhor é que esta fantástica operação se executa no campo seguro da imaginação. Assim, quase sem nos apercebermos, aprendemos a compreender melhor os outros e também o permanente conflito de interesses que se dá entre os seres humanos. Sem dúvida, graças a esse salto podemos corrigir erros de perspetiva, livrarmo-nos do nosso provincianismo e curar o isolamento. Porque muitas vezes, para obtermos o melhor de nós próprios, precisamos de ser outros.»

“De fonte segura” 

«Ler ajuda-nos a falar. Graças à leitura conquistamos habilidade verbal e abundância. Assim as nossas ideias, conduzidas por um impulso fácil, transformam-se, mais leves, em palavras. «Os livros fazem os lábios», escreveu Quintiliano há cerca de vinte séculos, com o aval de uma longa trajetória. Trabalhou durante vinte anos em Roma como professor de Retórica, ou seja, como especialista no uso de palavras certeiras e poderosas. A sua profissão fez com que compreendesse que é naquilo que lemos que está o vocabulário das nossas próprias vidas, com o qual as contamos aos outros e a nós próprios. No dia a dia, somos todos, à nossa maneira, narradores que pretendem convencer e encantar, e para isso precisamos dos livros.

          O filósofo Séneca encontrava outras vantagens. Acreditava que ampliam a nossa curta passagem pela vida, porque quem lê acrescenta à sua vida a de todas as épocas, e dessa forma milhares de anos de conhecimento fundem-se com o seu. O tempo de cada leitor alarga-se pela confluência entre a realidade vivida e a imaginária. Séneca via nos livros, que se abrem diante de nós em toda a sua plenitude e não nos deixam partir de mãos a abanar, a porta sem fechadura de uma fabulosa câmara do tesouro. Às vezes, encontramos numa página, de forma prodigiosamente transparente, ideias e sentimentos que nos eram confusos, e assim a vida parece-nos menos caótica. Através dos livros, entendemos os nossos próprios motivos e os dos outros e temos mais capacidade para decifrar o mundo. A leitura torna-nos curiosos, mas não crédulos: os livros também nos livram deste perigo.»

Vallejo. I. (2023). Alguém Falou Sobre Nós. Bertrand Editora. 


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