Depois de mais de 40 anos de ditadura, de censura e de lápis azul, alguns jovens poetas podiam agora “cantar” a democracia e os valores da liberdade.
Nomes como Sophia de M. B. Andresen, Manuel Alegre, José Carlos Ary dos Santos e Natália Correia, para referir apenas alguns, deixaram de ter de utilizar subterfúgios poéticos para veicular a sua mensagem e, alguns deles, caso de Ary dos Santos, deixavam jorrar as palavras como se de uma torrente se tratasse.
Aqui ficam alguns poemas icónicos, alguns deles passados a canções, que marcaram a produção poética do pós 25 de abril.
Comece por ouvir "As portas que abril abriu" de José Carlos Ary dos Santos
https://www.youtube.com/watch?v=p-Whzw-RA7M
Sophia, na sua casa em Lisboa, a escrever
25 de abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen
Sérgio Godinho
Liberdade
Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão
habitação
saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Sérgio Godinho
Manuel Alegre
Abril de Abril
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
Manuel Alegre
Ouve a Cantata da Paz. Segue o link:
https://www.youtube.com/watch?v=cCfWyZDxTQc
Cantata da Paz
Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome,
O caminho da injustiça,
A linguagem do terror.
A bomba de Hisoshima,
Vergonha e todos nós,
Reduziu a cinza
A carne das crianças.
O corpo humano foi
Queimado em Buchenwald.
Os países inventam,
A máquina produz
Bombas e prisões,
Perfeitas sujeições.
E no terceiro mundo,
Nos campos e na rua,
A fome continua.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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